Faial das faias
“Se eu vivesse aqui, queria uma casa e uma cama onde só visse o Pico. Ele enchia-me a vida”, escreveu, em 1924, Raul Brandão no seu (magistral) livro As Ilhas Desconhecidas. Por causa deste escritor, o Faial, assim chamado devido à abundância de faias na época do seu achamento, passaria a ter o epíteto de “ilha azul” dada a profusão das hortênsias que bordam as estradas e dividem pastos e outras propriedades.
A mãe da ilha do Faial é a sua assombrosa Caldeira – Reserva Natural, espetacular santuário de flora e vegetação, catedral de um silêncio imponente. A visão da cratera vulcânica (com cerca de 2 km de diâmetro e 400 metros de profundidade revestida de uma vegetação exuberante e endémica) é um deslumbramento para os olhos, tal o seu esplendor e a grandiosidade dos seus 313 hectares. Paira no ar uma impressão de volúpia e frescura, cheira a terra e a humidade nesta paisagem que infunde respeito.
Depois é um must ir ver o Vulcão dos Capelinhos e imaginar as explosões de lava que, entre 1957 e 1958, saíram do mar em jatos impetuosos… Seguiu-se o mais forte movimento de emigração açoriana do século XX. E nada no Faial (e nos Açores) viria a ser como dantes. Está lá hoje o moderníssimo e muito belo Centro Interpretativo do Vulcão para preservar a memória.
O Faial vive em função da Horta – sede do único concelho da ilha (com treze freguesias) e centro político dos Açores, já que nela se situa o parlamento regional.
À beira-mar reclinada, oásis de repouso e de refrescos no meio do Atlântico, esta que é a cidade mais ocidental da Europa dispõe-se em anfiteatro natural, com o coração inclinado para a majestosa ilha do Pico, cuja montanha é barómetro eficaz e objeto diário de contemplação estética dos e para os faialenses. Aliás, Faial e Pico são ilhas irmãs, não passam uma sem a outra, apesar de alguns bairrismos históricos à mistura…
Mais do que uma cidade, a Horta é um sentimento. Talvez de amor. Porventura de paixão. Certamente de afeto. A sua arquitetura civil inclui edifícios burgueses, imóveis de arte “déco”, varandins adornados com grades de ferro fundido, torrinhas, cantarias e gelosias nas janelas. Há também a considerar todo um património arquitetónico religioso (igrejas e conventos) e militar (fortes e castelos).
Orgulhosa do seu passado flamengo, devedora da ação da família Dabney, nó de amarração de cabos telegráficos submarinos, utilizada como base naval durante as duas grandes guerras mundiais, possuidora de uma das mais belas baías do mundo, lugar de chegadas e partidas, porto de acolhimento, a Horta, cidade-porto, vive de memórias e mitos, ela que já foi “a maior cidade pequena do mundo”, como escreveu o poeta Pedro da Silveira.
Na sua Marina, emblemático ex-libris, está toda uma vocação marítima. Fazendo parte do espaço Schengen, em termos de movimento de “pleasure boats” a Marina da Horta é hoje considerada a primeira de Portugal, a segunda da Europa e a quarta a nível mundial. Para muitos trata-se da marina oceânica mais internacional do mundo. Por aqui aportam veleiros e velejadores de todo o mundo (os “iatistas”), reforçando-se, assim, o cosmopolitismo da Horta. A cidade mitifica-se. Há superstições qua não se discutem. “Aqueles que fizeram escala no porto da Horta e não pintarem nada de alusivo ao seu barco nos paredões da Marina, vão ter problemas na sua viagem de regresso”. O melhor é sempre jogar pelo seguro… Resultado: a Marina é hoje uma verdadeira galeria de arte.
Outro espaço mítico é o Peter Café Sport, considerado o melhor bar do mundo para receber marinheiros, onde se bebe o gin da amizade universal e existe um magnífico museu de scrimshaw.
Esta cidade realiza o maior e melhor festival náutico de Portugal: a Semana do Mar, com início na primeira semana de Agosto. Durante uma semana, a Horta veste-se de marinheira e expõe-se, ainda e sempre, à fruição apetecível do olhar. Gostar desta cidade é, pois, uma arte de contemplação.
O Faial é a beleza de um novo dia.
Os faialenses, esses, vivem com o coração preso à memória e os olhos postos no mar. E esta é, sem dúvida, uma maneira de ser feliz.
Victor Rui Dores