O ACORDO ORTOGRÁFICO ( III )
CARLOS ENES
AS REFORMAS ANTERIORES AO AO90
A primeira reforma ortográfica, que Portugal aplicou, ocorreu em 1911 mas não se estendeu ao Brasil. A partir de então, a existência de duas ortografias oficiais da língua portuguesa foi alvo de tentativas de unificação.
Com a finalidade de minorar os inconvenientes desta divergência, a Academia Brasileira de Letras e a Academia das Ciências de Lisboa apadrinharam o primeiro acordo ortográfico entre Portugal e o Brasil, em 1931.
Razões de vária ordem não conduziram à unificação dos dois sistemas ortográficos, o que deu origem à Convenção Ortográfica de 1943. Mesmo assim, mantiveram-se divergências nos Vocabulários publicados pelas duas Academias, que foram, de certo modo, saneadas com a Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de 1945. Todavia, este acordo redundou em fracasso, dado que o Brasil o aprovou e depois o revogou, continuando os brasileiros a regular-se pela ortografia do Formulário Ortográfico de 1943, enquanto Portugal seguiu a grafia aprovada em 1945. Se esta mudança simplificou vários aspetos da escrita, a ortografia da língua portuguesa continuou a ser uma das mais complexas da Europa.
Em 1971, no Brasil, e em 1973, em Portugal, foi publicada legislação que reduziu muitas das divergências ortográficas entre os dois países, nomeadamente a supressão do acento circunflexo na distinção dos homógrafos ou a eliminação dos acentos graves nos advérbios de modo. Na tentativa de aprofundar a convergência, a Academia das Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras elaboraram, em 1975, um novo projeto que ficou adiado pelas mudanças políticas então ocorridas em Portugal.
No seguimento deste processo, foi levado a efeito um novo encontro, no Rio de Janeiro, em 1986, com representantes de Portugal e do Brasil, mas também dos cinco novos países africanos lusófonos, emancipados com o processo de descolonização.
O Acordo Ortográfico alcançado provocou uma grande onda de contestação em Portugal e não produziu efeitos. Dois anos depois, foi elaborado um Anteprojeto de Bases da Ortografia Unificada da Língua Portuguesa, que esteve na origem do acordo que se seguiu.
O ACORDO ORTOGRÁFICO DE 1990
A permanência de duas ortografias continuou a ser considerada desvantajosa, partindo do princípio que uma língua terá mais peso internacional quanto mais unificada for. Mas para além da projeção internacional, foi considerado que uma dupla grafia criaria obstáculos no plano intracomunitário, dificultando a divulgação da informação, a difusão cultural e as relações comerciais.
Com este propósito, se reuniram os países de língua oficial portuguesa. O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa foi assinado em Lisboa, a 16 de Dezembro de 1990, a que se seguiu a aprovação por Resolução da Assembleia da República e a ratificação pelo Presidente da República.
Portugal, Brasil e as ex-colónias africanas portuguesas assinaram este acordo, à exceção de Timor-Leste, ainda não independente. Ficou determinado que o mesmo entraria em vigor a 1 de janeiro de 1994, após terem sido depositados os instrumentos de ratificação de todos os Estados, junto do Governo da República Portuguesa. O depósito do instrumento de ratificação português foi entregue a 30 de outubro de 1996.
À partida pareciam criadas todas as condições para que o projeto avançasse. Mas assim não aconteceu. Surgiram críticas de vária ordem, o que é normal, umas fundadas, outras não, mas também hesitações políticas em alguns países.
O problema do Acordo Ortográfico não é apenas de ordem técnico-linguística. Num primeiro plano a questão é política e como tal deve ser definida pelos responsáveis políticos. Em Portugal, o consenso é maioritário a nível partidário, com apoio explícito de dirigentes e até referências nos programas eleitorais, mas os cidadãos em geral também tem uma palavra a dizer.