Proémio
LicEU
O que têm em comum um padre e um presidente, um médico e um advogado, um professor e um deputado, um escritor e um desportista, um artista e um empresário, um arquiteto e um engenheiro? Terem sido alunos do Liceu Antero de Quental. Terem gostado do que foram. Terem saudades do que são.
Vieram de Ponta Delgada, do Nordeste, de Santa Maria. Foram para o Continente, para o Canadá, para a Califórnia. E agora reencontram-se e identificam-se neste livro.
Um livro sempre incompleto com a escrita de alguns que só se completa com a leitura de todos. É um incentivo individual para um exercício coletivo.
Quase uma centena de personalidades açorianas constroem aqui uma memória comum com fundamento sentimental. As praxes e os exames, os professores e os colegas, os recreios e os contínuos, as amizades e os namoricos, ocuparam uma idade e preenchem uma vida.
Todos estes testemunhos – alguns recuperados dos últimos dez anos, quase todos escritos nas últimas dez semanas – evocam um tempo e convocam um espaço.
O tempo dos senhores reitores João Anglin, Almeida Pavão, Eduardo Pacheco, dos mestres do saber João Bernardo, Galvão de Carvalho, Côrtes-Rodrigues, dos professores do espírito Augusto Moura, Licínio Costa, Padre Rebelo.
O espaço da biblioteca e da cantina, da secção e do jardim, do ginásio e do campo – que ontem era razão e hoje habita o coração, como As Fadas de Antero.
São memórias do nosso Liceu que justificam o nosso Eu.
O senhor Tavares toca a sineta para a entrada.
Nos anos 30… Eduardo Andrade Pacheco lembra que “o Senhor Reitor proferia as sacramentais palavras – “Em nome da lei, declaro abertas as aulas do Liceu Central de Antero de Quental, para o ano letivo de 1930-31” – e que, no dia seguinte, os ‘caloiros’ eram levados ‘com o rabo à árvore’ e percorriam a cidade devidamente enfarruscados”. José de Almeida Pavão enaltece “o Ginásio do Liceu, onde se realizaram espetáculos memoráveis, sem dúvida dos de mais alto nível no âmbito académico”. Manuel Ferreira lembra “a necessidade de improvisar uma simbólica sociedade por quotas, cada qual com a sua revolta da quantia de 50$00, para o aparecimento do jornal académico ‘Arco Íris’”. Bruno Tavares Carreiro confessa que andou “sempre às turras com a Matemática”, Elias Negalha evoca as aulas de Filosofia de Ruy Galvão de Carvalho e Luiz Amaral recorda “uma excursão de fim do curso, com a generosa cedência de duas camionetas de carga da Fábrica do Açúcar que serviam para o transporte de beterraba”.
Nos anos 40… Teresa Fraga conta que “o que primeiro cativou no liceu, antes de entrar no edifício, foi o próprio edifício em si e, uma vez subida a escadaria que conduz ao primeiro andar, a Reitoria e a Sala dos Professores”. E Joviano Vaz confessa que “se possível fosse, pelos seus portões entraria de novo para encontrar uma mocidade que já não é presente”. Eduíno de Jesus recorda: “Para mim, esse tempo foi ainda o da génese e consolidação da minha primeira e inesquecível tertúlia literária”. Fernando Aires descreve que o exame “não era para brincadeiras”: “Nós, rapazinhos, de gravata e cabelo penteado a brilhantina – enquanto lá em casa mães e tias entoavam ladainhas e acendiam um pavio de azeite ao Bendito”. Soares de Sousa lembra que “as récitas e as exposições que decorriam no ginásio eram as alturas em que nos era possível privar mais de perto com as alunas, desviadas quotidianamente dos nossos olhares para uma ala própria às suas aulas”. Albergaria Pacheco refere “as numerosas amizades ali criadas, as engraçadas récitas que ali representavam todos os anos e as comemorações do centenário do Liceu”. E Linhares Furtado recorda que lhe coube “a honra de proferir algumas palavras em nome dos alunos ‘atuais’ nas inolvidáveis comemorações que, em 1952, marcaram a celebração do 100º aniversário”. Carlos Almeida evoca o seu tio “Dr. Jeremias da Costa que se distinguiu com a compra do Palácio da Fonte Bela, onde ainda hoje se encontra instalado o liceu”. Ruy-Guilherme de Morais lembra que teve “a ousadia de propor em Conselho de Centro da Mocidade Portuguesa a criação de um jornal do liceu”. E Guido Rodrigues revela que aceitou o convite do Prof. Licínio para cantar na Procissão de Sexta-Feira Santa mas só depois percebeu que lhe estava destinado o papel de Verónica”. Rubens Pavão explica que “o Dr. João Bernardo, que exercia as funções de vice-reitor, antes da ‘bicha dos caloiros’ sair exercia as delicadas funções de ‘sensor’, impedindo, por vezes, a saída de alguns cartazes mais picantes”. Cinelândia Cogumbreiro nota que “nunca se ouviu nenhum colega queixar-se dos professores, tal como nunca se viu nenhum professor insultar os seus alunos”. Gustavo Moura entende que “o que se perde nas aulas ganha-se em cultura, numa visão mais ampla da vida e numa abertura de espírito, fatores que são determinantes para o percurso de vida”. João Constância concorda que “foi lá que se formou harmoniosamente a nossa personalidade, que nasceram e se desenvolveram preciosas amizades que têm durado a vida inteira”. E Ana Maria Netto Viveiros acrescenta que “o velho liceu como casa de educação é algo que pertence à nossa memória de vida, à memória também desta cidade de Ponta Delgada, pelo muito que lhe tem dado”.
Nos anos 50… Costa Santos recorda que chegou ao início das aulas com uma semana de atraso: “Eis que, ‘saído do céu’, aparece um caloirinho novo sem experiência nem proteção e, ainda por cima, filho do senhor governador! Foi uma alegria para os veteranos: apanhei uma ‘caterva de chulas’ e depois lá me levaram ao ‘esguicho’”. Renato Borges de Sousa lembra que “a nossa vida dentro do liceu pautava-se pela sineta do Sr. Tavares, que nos mandava para as aulas, com o 1º, 2º e 3º toques, que sempre soavam cedo demais”. Ferreira Almeida, que veio da Ribeirinha estudar para a cidade, “ia a casa nos períodos de férias e fins-de-semana, um sim, três, quatro ou mais, não”. Madruga da Costa veio de muito mais longe: “Quem, como no meu caso, acabasse o ensino secundário no então Liceu Nacional da Horta, aos quinze anos era chamado a escolher um curso, a mudar de escola e a mudar de ilha; embarquei no N/M “Arnel” com destino a Ponta Delgada fazendo escala nas ilhas do Pico, S. Jorge, Graciosa e Terceira”. Cristovão de Aguiar lembra que ficou rebatizado a partir dessa aventura escolar: “só o nome Cristóvão passou a valer no seio da nova e estranha comunidade, pois o prenome Luís, por que era e sou conhecido e chamado na freguesia e no círculo familiar, ficou submerso”. Vasco Garcia lembra o primeiro discurso público da sua vida que leu no aniversário do Reitor João Anglin e que foi “quase um marco referencial do que viria depois”. Tavares Rebelo evoca “factos que ficaram na memória, como o Dr. Pavão a cantar La Donna é mobile numa récita liceal ou Melo Antunes a fazer-nos ouvir na biblioteca do liceu a 9ª Sinfonia de Beethoven”. Também Natália Almeida “guarda na memória os sons divinos que o seu professor de História, João Bernardo Oliveira Rodrigues, arrancava ao piano da biblioteca”. E ainda Bento Sampaio descreve: “Entrámos num enorme salão, com os tetos decorados ‘aqui é a biblioteca’ e, ao fundo um retrato de alguém, ‘é Antero de Quental’, mas o grande piano de cauda encheu-me de cobiça, comparado com o nosso, ‘posso tocar o alecrim?’”. Henrique de
Aguiar lembra que era “uma época de coisas simples e rotineiras”: “os ‘sorvetes do Cardoso’, os ‘barquinhos do Espanhol’, o ‘canto do Clube’ e os ‘bilhares do Central’ foram um importante complemento da vida liceal”. Roberto Amaral destaca “a viagem de estudo promovida pelo liceu à ilha do Faial para observação e estudo do Vulcão dos Capelinhos, que tinha surgido no ano anterior e que ainda estava em plena atividade”. Medeiros Ferreira recorda as suas “vitórias eleitorais para chefe de turma do sexto e do sétimo ano, contra um adversário de peso, na figura do João Bosco Mota Amaral”. Mota Amaral prefere evocar o seu mestre Côrtes-Rodrigues: “Para retermos que em francês a palavra que designa o mar é feminina, repetia a história do turista que, chegado ao Alto da Mãe de Deus, tinha exclamado: ‘On voit la mer d’ici!’ – ficando por saber se se referia à bonita vista do oceano ou aos vestígios do uso impróprio dado por frequentadores noturnos do local”. Sacuntala de Miranda evoca também Côrtes-Rodrigues, pela sua dupla personalidade: “Nada no seu comportamento quotidiano deixava adivinhar a torrente de palavras e pensamentos fantasticamente belos que jorravam da sua pena”. Francisco Rego Costa acredita “poder afirmar-se que o então 7º ano dos Liceus equivalia quase a uma licenciatura atual, em cultura geral e formação mental dos alunos”. E Furtado Dias acrescenta que “uma grande vantagem, que o liceu nos proporcionava, desde o 1º ano, era as aulas de ginástica, prática muito saudável e útil para o futuro, pelo menos no meu caso e no de outros que seguiram a vida militar”. João Bernardo Rodrigues lembra que foi parar “à turma mais rebelde daquela época, constituída pelos matulões da altura que, sob a orientação do saudoso professor Augusto Moura, venceu o campeonato interno de Andebol”. Carlos Arruda recorda que “as peripécias iam aparecendo aqui e ali, como a do desaparecimento de umas galinhas que o Reitor criava no pátio”. Garcia Lopes entende que “irreverência e maldades sempre houve e haverá e a diferença, para os tempos de hoje, radica nos limites e na atitude disciplinadora dos nossos pais”. Berta Camacho assume que sentiu “um enorme regozijo por estar à frente da Instituição no momento em que se festejou os seus 150 anos”. Melo Bento proclama que o liceu “continua a ser poderoso farol neste mar tormentoso que todas as gerações têm de atravessar, cantando e rindo, mesmo que o não confessem…”. Tomaz Vieira considera que “tudo o que mereceu ser esquecido bem serviu para abrir os espaços que vieram a ser preenchidos por saberes sentidos, desses que ‘ocupam lugar’ no coração”.
Nos anos 60… Jorge Cabral assume a saudade “do gosto e do orgulho em vestir uma bata branca, de segurar uma pasta ainda cheirando a cabedal e entrar nos portões do Liceu”. Carlos Carreiro confessa que o que ficou na sua memória do Liceu de Ponta Delgada “tem muito de visual e, como artista plástico, em formação, na altura, absorvia e registava tudo, nem que inconscientemente”. Edeme Arsénio acrescenta que “o ‘casarão’, nome que as alunas da Secção utilizavam para descrever o Liceu, muito maior, era um centro acolhedor e de uma beleza incomparável”: “A arquitectura de um solar burguês marcou-me nos anos mais formativos da vida”. Carlos Afonso escreve que “aprendíamos com prazer, sem excessos de severidade ou sequer necessidade duma disciplina rigorosa que surgia, muito naturalmente, pelo respeito que o saber dos professores impunha”. Margarida Brum homenageia as suas professoras como “as mulheres do meu liceu”: “Bastava olhar para elas para se perceber que a instrução é a melhor ferramenta que uma rapariga pode levar para a vida”. Leonor Pavão considera: “o meu Liceu de menina é uma chama brilhante que guardo na memória, como o paradigma de uma Escola completa, onde a Educação era entendida no seu sentido integral – não apenas de instrução, mas também de formação cultural e humana”. Carlos César, pela sua parte, recorda o liceu “não só como uma reprodução das desvantagens e incapacidades sociais e políticas, mas também como um lugar de adesões afetivas, de incubação progressista e de roturas conceptuais”. E Eduardo Paz Ferreira concorda que “foi no quadro apertado e vigiado dos anos sessenta do Liceu, que nem Antero de Quental se podia chamar, que se desenvolveram os seus espíritos livres”. Eduardo Medeiros explica que estudou “na Escola do Magistério Primário de Ponta Delgada que funcionava precisamente no edifício do Liceu, logo na entrada, perto da Secretaria”. Mário Bettencourt Resendes lembra “não sem alguma ironia, as tentativas desesperadas que faziam para dificultar o convívio entre rapazes e raparigas e, como é óbvio, o resultado prático mais não era do que incentivar a cobiça pelo fruto proibido”. E Gilberta Rocha acrescenta que “os rapazes estavam longe, na saída do portão ou em breves passagens pelas janelas do corredor do 1º andar de onde saíam aviõezinhos de papel, com recados cuja leitura ansiávamos e partilhávamos”. Berta Cabral confessa: “Nunca consegui terminar um trabalho de lavores, o mesmo bordado dava para o ano todo, sempre tive maior inclinação para as disciplinas que proporcionam um raciocínio mais lógico sobre a realidade”. E Zeca Medeiros, pelo contrário, exclama: “Quero celebrar o Grupo Cénico do Liceu cujo elenco tive o privilégio de integrar, quero falar dos ‘Retiros’ do Liceu, das canções dos Beatles, do primeiro amor, só não quero falar das aulas de Matemática”. Emanuel Carreiro lembra que “enquanto as aulas do ‘Armandinho’ eram um gosto, as da ‘Antonieta’ eram um pesadelo e as do ‘Óscar’ eram uma bagunça”. Dionísio Leite recorda o seu colega Jaime Gama: “Ele era, de longe, o melhor aluno (eram só 20 valores) e um dia perguntei-lhe: quando mostras estas notas ao teu pai ele fica muito contente? Resposta imediata dele: fica normal. E eu pensei logo para mim: se fosse o meu, ficaria radiante!”. Jaime Gama prefere lembrar a despedida: “No dia da partida para Lisboa, antes de embarcar no ‘Funchal’, fiz um longo passeio solitário pelo Liceu, revi os anos da vida aí passados, guardei essa imagem comigo para sempre”.
Nos anos 70… José Eduardo Moniz revela: “os comentários de incentivo do Dr. Ruy Galvão de Carvalho e a bofetada de parabéns do Dr. Armando Medeiros foram, talvez, o maior prémio que já recebi até hoje”. Sidónio Bettencourt descreve: “Alguém disse de pronto ao Senhor Reitor que havia aluno novo. E logo eu, e logo o Senhor Reitor. Toda a gente a olhar para mim, toda a gente a querer saber de onde vinha… se sabia jogar à bolas, se tinha jeito para alguma coisa que não fosse apenas ‘falar à moda’…”. E Boanerges Melo conta: “O Dr. Eduardo de Andrade Pacheco, último reitor, quando circulava em todo o recinto escolar, impunha ordem. Um dia, pedi para que me recebesse, pois discordava da não existência de um pormenor na folha dos horários que fora afixada. Na sua sábia pedagogia, observou: “quando fores reitor, hás de colocar lá isso!” Muito obrigado, senhor reitor, disse eu”. Manuel Arruda lembra: “Era uma criança de dez anos, quando transpus pela primeira vez o portão verde do liceu, e, quando de lá saí, era um adolescente, quase homem”. José Carlos Carreiro recorda: “a extraordinária aventura que foi, para mim, num tempo em que era impensável sair-se de uma aldeia longínqua do concelho de Nordeste, a três horas e mei
a de uma tormentosa viagem de camioneta, vir estudar para Ponta Delgada”. Humberto Melo reforça: “encontrávamos as dificuldades de transporte diário, entre a Vila e Ponta Delgada, levantávamo-nos às 5h30 para apanhar a ‘camioneta do Varela’, uma hora para cada lado prejudicava o estudo, pela falta de tempo e pelo cansaço provocados”. E Carlos Amaral conclui: “Vindo do Nordeste, quebrando a insularidade, o Liceu abriu-me as portas e disponibilizou-me os melhores instrumentos conceptuais para aceder ao universal e, nele, me vir a constituir. Cumpriu a sua missão, com distinção e louvor”. Decq Mota solicitou a autorização de Salazar para prestar provas enquanto estava doente: “E assim passei a ser a segunda pessoa em Portugal a fazer o exame na minha cama, à qual, nos dias das provas, se deslocaram os professores para fiscalizarem”. Aníbal Raposo recorda as lides musicais na igreja do Carmo, mesmo ao lado do Liceu, onde o Padre Noia, pessoa de mentalidade aberta para o seu tempo, acarinhava a existência dum coro de jovens que animavam a missa dominical”. Lopes de Araújo descreve que “ainda se vai ao Avião lanchar ou paramos no João Luís a ver quem por lá anda…. Os cafés das redondezas, onde pontificam ainda o Mimo e o Gil, parecem, a qualquer hora do dia, extensões do Liceu, com pilhas de livros nas mesas, entre copos de galão e restos de torradas”. Horácio Franco confessa: “o primeiro dia no Liceu era, normalmente, complicado e o meu não foi exceção, porque tive de andar à ‘batatada’ num ringue improvisado com outro calouro”. Milagres Paz lembra-se de “andar nos enormes corredores que pareciam túneis escuros e frios das salas antigas com paredes enriquecidas pelas palavras de todos aqueles que por lá passaram”. E Piedade Lalanda completa que “à medida que íamos crescendo, íamos descobrindo os espaços do liceu – primeiro foi “a secção”, o edifício novo junto ao campo de jogos, onde estavam as turmas femininas; depois o torreão, onde eram as aulas de música; raramente, a biblioteca, a que não tínhamos muito acesso, e só nos últimos anos, o acesso às salas em anfiteatro”. Iracema Cordeiro lembra que “nos recreios, junto à cantina, sedimentavam-se as novas amizades, e no banco junto ao bar, prolongavam-se as conversas com o futuro companheiro de vida, que o Sr. Miguel teimava em interromper – “Elas (os membros do Conselho Diretivo) não querem ninguém aí! Lá para fora!”. E Graça Castanho nota que “os que viviam na cidade sentiam-se, de uma forma geral, mais importantes, pelo que o tratamento dado aos alunos vindos das áreas limítrofes ou distantes da urbe era, na maior parte do tempo, de indiferença ou discriminação, quer nas aulas quer nos recreios”. Jorge Medeiros associa “a imagem do nosso Liceu ao recreio, onde confraternizávamos, onde ouvíamos as ideias e as discussões construtivas dos mais velhos, onde íamos desenvolvendo o espírito crítico, onde íamos crescendo”. Pedro Maria Carreiro lembra a “grande efervescência no dia 25 de abril e nos dias seguintes, com a realização da primeira Reunião Geral de Alunos no dia 30, com intervenções de Carlos César apelando à participação na manifestação do 1º de Maio”. Álvaro França viu-se nomeado presidente do conselho diretivo logo a seguir ao 25 de abril – “uma altura bastante agitada, em que as pessoas aderiam a um ou a outro Partido com a mesma lógica com que se é do Sporting e do Benfica (porque sim)”. Mário Fortuna lembra “o envolvimento em movimentos associativos que levaram às primeiras eleições para a primeira comissão de alunos do liceu, sendo que uma das reivindicações da Lista A, que encabecei, era a mudança do nome do Liceu de Liceu Nacional de Ponta Delgada para Liceu Antero de Quental”. Também Duarte Melo recorda “com alegria própria da homenagem, o entusiasmo dos tempos em que a democracia despontava, através do sentimento da festa e da correria dos alunos para as RGAs onde tudo se discutia”. E Gabriela Canavilhas concorda que “a vida no liceu era também reflexo dessas mudanças, entre a euforia, a descoberta e o desnorte”. Manuel Moniz acrescenta que “o ambiente de tensão era evidente ao nível da participação política, com sucessivas eleições para tudo, sessões de esclarecimento, reuniões gerais de alunos, manifestações e contramanifestações, panfletos e cartazes, num ambiente efusivo e sempre imprevisível”. José Nunes lembra que “testemunhámos um período extraordinário de companheirismo solidário, de formação pessoal e de afirmação social entre a população escolar em particular, a sociedade em geral e o Liceu Nocturno no seu todo, naquele emergir sobressaltado para uma almejada vivência democrática”. E Noé Rodrigues conclui que o liceu, com o 25 de abril, “passou a ser a casa da democracia vivida, exercitada, reclamada, muitas vezes local de refúgio, de encontro e reencontro de ideais perseguidos por intolerantes, preconceituosos e despeitados por uma democracia inevitável”.
Nos anos 80… Luís Maurício lembra a sua eleição para presidente da Associação de Estudantes: “Constituíamos a Lista C e inundámos as instalações do Liceu com tarjas compostas pelo nosso slogan de campanha e pelo apelo ao voto”. Victor Cruz recorda o tempo em que foi fundador e diretor do jornal académico “Nova Geração”, para concluir que “saíamos do Liceu mas o Liceu nunca sai de nós”. José Manuel Bolieiro concorda que “ser aluno do Liceu era e é distintivo”: “Lembro que informava e afirmava essa minha condição curricular, com orgulho, à família e aos amigos”. Soares de Albergaria reforça que “o ‘Liceu’ não é ‘mais uma’ escola, ocupa muito justamente lugar de referência no panorama educativo, quer pelo lastro histórico que se lhe conhece, quer pelo competente corpo docente que sempre foi seu apanágio”. E Xali Barroso subscreve que “chegar ao Liceu era muito mais do que chegar à escola – era entrar num museu! Pela sua beleza, pelos seus recreios, pela sua história, por Antero, pelos seus distintos professores”. Emanuel Macedo de Medeiros recorda, por exemplo: “o teto da sua grandiosa biblioteca, que me distraía dos deveres escolares, ou o velho ginásio onde tantas vezes treinei voleibol e onde acabei por me sagrar campeão de S. Miguel de juvenis em 1984”. Ponciano Oliveira nota que “a sua população estudantil era composta, em grande medida, por alunos da cidade e arredores, sendo mais influenciada pelas tendências que chegavam de fora do arquipélago e, ao mesmo tempo, influenciando a comunidade local”. E Vasco Cordeiro conclui: “Na minha memória ficará, para sempre, a melancolia sentida quando, ao finalizar o 12º ano de escolaridade, passei pela última vez pelo portão do “nosso” liceu, num misto de sentimentos pautados, também, pela ansiedade e expectativa pela eminente partida de São Miguel…”
O senhor Miguel toca a sineta para a saída.
Por tudo o que aqui fica e pelo mais que não cabe, valeu a pena.
Valeu a pena o liceu e o livro.
José Andrade
Presidente da Associação dos Antigos Alunos do Liceu Antero de Quental