CRIANÇA
Antigamente, estava sempre a dizer-se que “o melhor do mundo eram as crianças”, e isto até cansava. Vinham no mesmo pacote flores e sorrisos… era tudo um bocado para o delicodoce.
Mas no tempo vinagrento que é o nosso, até que dava jeito um bocadinho daquele idílio. As poucas crianças que são autorizadas a nascer são “planeadas”… pelos vistos, este plano está mal urdido, pois as escolas primárias vão fechando e os países estão a ficar aflitos com o envelhecimento. Não é só o Japão! Em cerca de cinquenta anos, algumas das ilhas mais pequenas dos Açores poderão estar desertas, coisa nunca vista.
Por incrível que pareça, os professores continuam a ensinar Malthus, que garantia que os países para serem ricos teriam de reduzir a sua população. É bem feita quando não tiverem alunos para ensinar! Horários zero é o que mais há! Queixam-se de estarem no desemprego, quando são eles que veiculam os venenos. Oremos!
O Japão começou a discutir cruamente o monstruoso problema das reformas e cuidados com os velhos. Como o mundo virou as costas ao Cristianismo, a caridade desapareceu do mapa e as hipóteses pragmáticas levantadas fazem uma pessoa perder a respiração. Por exemplo: acabar com todo o sistema da segurança social. Ponto. Isto depois de se ter dado cabo da família. E a eutanásia, recurso bárbaro, regressa porquê? Porque se tem compaixão? Oremos!
Há uma geração, os casais tinham, em média, quatro a seis filhos. Parece inacreditável, não é?! Se virmos algo parecido, hoje em dia, pensamos mal das pessoas. Outrora, ser filho único era um defeito. O que será que aconteceu, entretanto, para que até os católicos estejam reduzidos a um menino e uma menina?! Oremos! Uma rua normal tinha, à vontade, vinte crianças, ou mais.
Porque é que os ingleses vêm requisitar enfermeiros a Portugal? Entre outras razões, porque eles têm idosos a dar-lhe com um pau (salvo seja!). Estes anciãos reproduziram muito pouco. Do pouco que reproduziram, não há ninguém em casa para cuidar deles. E mesmo que houvesse, nada garante que quisessem cuidar daqueles que os depositaram em creches. Amor com amor se paga… quando há para pagar.
O salmo compara os filhos a setas na aljava. “Que coisa mais antiquada!” “A vida moderna não se coaduna com tais modelos obsoletos.” É o que vamos ver!
Lamentavelmente, é o que vamos mesmo ver, nós, que não temos filhos para nos guardarem em casa quando chegar a nossa trombose e a nossa Alzheimer e não recebermos um tusto daquilo que descontámos e não poupámos e não houver dinheiro para pagar aos asilos. A segurança social é uma invenção muito recente; pós-guerra. É tudo muito bonito, muito peace and love… Oremos! Oremos para que haja uma Teresa de Calcutá nas ruas. “Que exagero!” Oremos!
Nosso Senhor Jesus Cristo fez o maior elogio que se conhece às crianças. É custoso ao ser humano chegar a este ponto de excelência. Pudera! Para Deus, as crianças são valiosas em si, entre outras coisas, porque confiam nos pais. Recorrem com toda a naturalidade à proteção superior. As festas do Espírito-Santo simbolizam o ponto de vista do Salvador: são as crianças, em regra, que são coroadas, para que fique claro qual o sentido do político à séria.
E há a alegria do princípio da vida! Há uma geração, as ruas estavam cheias de risos e brincadeiras. Éramos pobres? Depende do modo como se olha para a coisa: não havia playstations, quase nem havia bicicletas. Mas havia avós em casa e não há muitos netos que não amem seus avós.
Mário Cabral Natural da Terceira, Açores, é Doutor em Filosofia Portuguesa Contemporânea, pela Universidade de Lisboa, com Via Sapientiae – Da Filosofia à Santidade, ensaio publicado pela Imprensa Nacional – Casa da Moeda (2008). Para além do ensaio, publica poesia e romance. O seu livro de ficção (O Acidente, Porto: Campo das Letras) ganhou o prémio John dos Passos para o melhor romance publicado em Portugal em 2007.
Está traduzido em inglês, castelhano e letão. Também é pintor.