Mensagem ao meu vizinho João Constância
Quero estar presente na festa do meu velho amigo e agora vizinho que conheci em 69, um número que há tempos para cá ficou associado ao Mota Amaral. Foi no ano da Missa Nova do seu irmão, padre José Constância, para nós, irreverentes alunos do Seminário de Angra dos idos sessenta, mais conhecido como Papa João XXIV. Estava anunciado que, da nobre Coimbra (naquele tempo ainda era nobre) vinha o senhor seu irmão, doutor pela dita, facto que nos deixou em grande expectativa.
Chegou o senhor doutor e logo ficámos desarmados e cativados. Era simples, sem o ar pesadão que o cheiro do capelo e da toga conferem aos alunos que pela universidade à beira Mondego passam e se deixam contagiar pelo peso secular da vetusta instituição. Em poucas palavras, foi … love at first sight. Encetámos uma amizade que tem durado mais que muitos casamentos. Ela vai já em 55 anos e o meu segundo casamento em 22. Quer dizer que é mais antiga que os meus dois casamentos juntos. Fosse o João uma mulher e seria caso para a Leonor ficar com ciúmes.
Tem sido uma amizade constante porque a constância nasceu-lhe com o nome e é por isso nele uma virtude congénita. Constante é também o seu acumular sereno de sabedoria, sobretudo a colhida na vida. E sempre temperada com a dose certa de humor inteligente e a propos.
As voltas dela, a vida, trouxeram-no para o pé de mim, aqui mais a norte, no Québec, onde tem sido um companheiro regular de cavaqueio ao telefone e via Internet, parceiro de trocas de piadas e graçolas, de convívio humano saboroso e rico, tudo marcas antigas do seu modo de estar e ser. Procuro sempre não telefonar nunca em momento de massagens, mas não sei se acerto. Às vezes apanho a voz dele na descontração relaxada de quem acaba de sair da marquesa.
Tenho só um desapontamento a registar: a sua mentira sobre o número de anos. Não o fazia mentiroso. Porque adora mimos (e a Lourdes é culpada por alimentar-lhe esse vício) achou que uma boa maneira de ter uma festa em grande só para si nesta sua romagem aos Açores e ao Continente em revisita aos lugares que marcaram a sua vida, seria celebrando um aniversário redondo. Daí ter inventado essa dos 80 que nos impingiu a todos. Ora, quem o conhece de perto, como eu, sabe que ou ele está a gozar connosco pregando-nos uma partida, ou então está mesmo decidido a levar-nos nessa balela. Em boa verdade, não sei quantos anos ele de facto faz, mas não acredito de modo nenhum que sejam 80. Todos os presentes são testemunhas e podem confirmar o que digo olhando para ele: como é que alguém com ar tão jovem e bem disposto da vida pode fazer 80 anos?
Há quatro idades na vida de um ser humano: a da infância, a da adolescência, a da idade adulta e a do Você está de bom aspecto! O nosso João está de tão excelente aspecto, arguto e lúcido como sempre, sarcástico q. b. , crítico do Governo e dos defeitos da pátria, dos abusos da Igreja quando não pratica o que prega, enfim, mantém tudo aquilo de que gosta um jovem de se prezar, portanto nada, nada deste mundo me fará acreditar nessa basófia dos 80 anos. Mas isso não é de modo nenhum razão para não me associar a esta festa e celebrar com a família dele e seus amigos mais chegados o facto de o termos no nosso convívio como amigo e companheiro de jornada. E prometo que, quando então ele fizer 80 anos a sério eu estarei em pessoa presente nessa grande celebração.
onésimo