O ensino do português nos Estados Unidos : como e a quem? Dulce Maria Scott
O ensino do português nos Estados Unidos e Canadá tem sido muito debatido nos últimos anos, tanto na América do Norte como em Portugal. Sem me debruçar nem sobre a história desse ensino, nem sobre o percurso convoluto do apoio de Portugal a ele, apresento alguns dados empíricos de relevância para as questões de como e a quem se deve leccionar a língua portuguesa nos Estados Unidos, a nível não universitário.
De particular relevância para este artigo são os argumentos que têm sido feitos sobre o declínio da imigração de Portugal e a integração, não só a nível estrutural mas também a nível linguístico, dos luso-descendentes nas suas respectivas sociedades de acolhimento, e como estes factores justificam um enfoque do apoio de Portugal no ensino do português como língua estrangeira — ou seja para propósitos de comunicação internacional, em congruência com o acrescido impacto linguístico a nível global do poder económico do Brasil — integrada no currículo oficial das escolas norte americanas e não como primeira língua ou como língua de identidade ancestral.
Os dados estatísticos que apresento sugerem que de facto a assimilação linguística tem decorrido com celeridade de geração para geração entre os luso-descendentes da América do Norte. Porém, dados sobre as tendências migratórias mostram um grande acréscimo da imigração proveniente do Brasil e uma manutenção de taxas de imigração estáveis de Cabo Verde. Adicionalmente, numa época de globalização internacional, onde se verifica uma movimentação em regime temporário da força trabalhadora qualificada das empresas multinacionais, afigura-se-me que o ensino do português como língua estrangeira não será suficiente para responder às necessidades de todos os lusófonos, de idade escolar, que residem nos Estados Unidos. Alunos recém-chegados, e os de residência temporária neste país, necessitam que o português lhes seja leccionado como primeira língua e como língua de ontidade e identidade nacional e não como língua estrangeira.
O famoso sociolinguista, Michael Halliday, elaborou o conceito de “registo” linguístico, que definiu como “uma variedade da língua que se distingue de acordo com o seu uso” (Language and Society, Vol.10, NewYork, Continuum, 2007). Afirma, por exemplo, que mesmo para aqueles que atingem fluência em duas línguas, normalmente existe uma especialização linguística, ou seja, usam registos diferentes de cada língua dentro de comunidades e contextos diferentes. Um exemplo deste fenómeno foi-me fornecido recentemente por um famoso académico luso-americano, que me disse que apesar de ser fluente nas duas línguas, cria só em português. Algo semelhante acontece com os luso-descendentes que geralmente limitam o uso do português, aliás na maioria dos casos o uso do “etnolect” desenvolvido pelos luso-americanos, e só a nível oral, ao vocabulário necessário para as funções linguísticas na esfera doméstica e privada, utilizando exclusivamente o inglês na esfera pública, com excepção, claro, daqueles que, residindo em áreas de concentração geográfica lusófona, se encontram em empregos que requerem o uso do português.
Aplicando o conceito de Halliday, o português como língua de comunicação internacional e como língua de identidade ancestral, abarca o uso de dois registos diferentes da língua portuguesa; o primeiro enfatiza os aspectos mais racionais, legais, utilitários, comerciais e técnicos necessários para comunicação na economia global e o segundo dá relevo aos aspectos afectivos, emocionais, formativos e identitários da língua e da cultura portuguesa. Halliday afirma que um entendimento dos registos da língua em uso é crucial para a formulação de um ensino efectivo de uma língua materna ou estrangeira. Adicionalmente, e de acordo com o Dr. Rui Machete, “Não são iguais os problemas de aprendizagem e difusão do português como língua materna e do português como segunda língua, ainda que em muitos pontos se interrelacionem” (Paralelo, Fundação Luso-Americana, 2007, p.5). Portanto, tanto para uma formulação de uma política de apoio ao ensino da língua portuguesa, como para a elaboração de um ensino efectivo dela é necessário compreender-se a quem será ensinada e que registo da língua se deve leccionar.
O que nos revelam uma análise de dados sobre a retenção da língua materna entre os luso-descendentes, seguida de uma abordagem de dados sobre as tendências migratórias de alguns dos países da CPLP para os Estados Unidos em 2009, sobre como e a quem a língua portuguesa deve ser leccionada neste país?
Os imigrantes antigos (do fim do século 19 e início do século 20) – e os portugueses não foram uma excepção — vivenciaram um modelo de assimilação linguística de três gerações, caracterizado por uma mudança na terceira geração para o monolingualism no inglês. Sociólogos têm descrito este modelo de assimilação linguística da seguinte forma: a geração imigrante aprende o máximo de inglês que pode mas fala a língua materna em casa, a segunda geração talvez fale a língua materna (ou o “etnolect” da geração imigrante) em casa, mas muda para um inglês sem sotaque na escola e no emprego, e já na terceira geração deixa de se verificar um conhecimento efectivo da língua dos pais.
Após a popularização do conceito do pluralismo étnico e racial na década dos anos de 1960, assim como a institucionalização de programas educacionais bilingues e de outras iniciativas e políticas multiculturais e multilingues, será que a “esperança de vida” das línguas ancestrais, agora num clima mais receptivo, aumentou entre os descendentes dos imigrantes chegados depois da promulgação da Lei de Imigração e Naturalização de 1965?
Embora alguns académicos e a população em geral se preocupem com a nova diversidade linguística que se verifica nos Estados Unidos e da sua potencial ameaça à unidade nacional e ao domínio do inglês, estudos recentes têm comprovado que a assimilação linguística hoje em dia está a acontecer tão rapidamente como decorreu com os imigrantes antigos e que, como tal, os Estados Unidos retêm a sua reputação de serem “um cemitério de línguas”. Aliás, para alguns destes estudiosos, no contexto de globalização actual, o problema que confronta os Estados Unidos, não é a ameaça da diversidade linguista à dominância do inglês, mas sim o desaparecimento rápido do bilinguismo fluente da segunda geração. Em geral, na terceira geração só entre 2 a 3 por cento dos descendentes de imigrantes são fluentes na língua ancestral. Entre os mexicanos que vivem nas cidades de concentração latina, perto da fronteira entre o México e os Estados Unidos, só cerca de 9 por cento da terceira geração mantém fluência no espanhol.
O que tem acontecido entre os luso-descendentes?
Dados censitários sobre o uso e proficiência no inglês mostram que, como outros grupos étnicos, os luso-americanos têm vivenciado uma assimilação linguística rápida. Os dados recolhidos num inquérito a luso-descendentes nos Estados Unidos e no Canada, que realizei online, durante o ano corrente, são congruentes com os dados censitários. (Uma explicação mais detalhada deste inquérito foi fornecida noutro artigo meu previamente publicado neste blogue — http://ww1.rtp.pt/icmblogs/rtp/comunidades/?m=09&y=2010&d=09).
Apresento três quadros. O Quadro 1 exibe uma tabulação da variável geração pelo nível de fluência indicado pelos inquiridos, numa escala de 1. (não falo português) a 5. (sou altamente fluente no português). O Quadro 2 apresenta uma tabulação sobre o uso do português em casa durante a “infância” e o Quadro 3 do uso do português depois de adultos nas suas próprias residências.
Para os propósitos deste estudo, classifico como sendo da geração “uma e meia” aqueles que chegaram aos Estados Unidos e Canada entre os quatro e os catorze anos de idade, os da segunda geração são os que chegaram a estes países com menos de quatro anos de idade ou já nasceram neles mas de pais imigrantes. A terceira geração é composta pelos netos dos imigrantes, e a quarta pelos bisnetos. Incluí com a quarta geração uns poucos dos inquiridos que indicaram que eram da quinta geração e para além dela.
Antes de prosseguir deixo uma advertência de que o Inquérito, por ter sido realizado online, captura uma amostra não representativa da população dos luso-descendentes, e talvez uma faixa desta população com níveis de educação mais elevados do que os dos luso-descendentes em geral. Adicionalmente, tendo sido promovido em páginas na Net relacionadas com os Açores e com Portugal, talvez esteja a captar respostas de luso-descendentes com um nível elevado de identificação com a língua e as suas raízes ancestrais.
O Quadro 1 mostra que os luso-descendentes, que participaram no inquérito, têm um nível de retenção da língua semelhante à dos mexicanos que residem em áreas de alta concentração étnica, nas cidades que fazem fronteira entre o México e os Estados Unidos, ou seja, só cerca de 9 por cento da terceira geração retém o uso completamente fluente da língua, a nível oral.
Como dizem Rumbaut et al., (in “Linguistic Life Expectancies: Immigrant Language in Southern California,” Population and Development Studies Review 32-3, 447-460, 2006) a capacidade linguística não é a mesma coisa que uso linguístico. Os Quadros 2 e 3 mostram o uso da língua em casa durante a “infância” e o uso actual na “adultez”.
Os dados no Quadro 2 mostram que de geração para geração, uma percentagem cada vez menor dos luso-descendentes, que participaram no inquérito, fala português em casa. Se não o falam em casa, a sua capacidade de o transmitir à próxima geração é basicamente nula.
To read Part 2 of this article, click here
(cont…)