Eu sou réu e vós autora,
Em certas ocasiões;
Menina, dai-me licença
Que eu note vossas feições.
Quer m’a deis, quer m’a não deis
Sempre vo-la vou notar;
Começarei da cabeça
Aos pés irei acabar.
Vossos cabelos dourados
Compostos da vossa mão,
Todo o mundo se admira
De tão linda perfeição.
Os vossos olhos, menina,
São faróis do mar, e guerra;
Quando vão para o mar largo
Deitam faíscas em terra.
Tendes os dentinhos ralos,
Metei-lhes cravos no meio;
Sondes a mais linda dama
Que na rua anda a passeio.
Os vossos ombros, menina,
Ambos de dois são iguais;
Não sois bonita nem feia,
Sois o quanto precisais.
Vossas mãos de clara neve,
Fio d’oiro rebatido,
Bem podia vir um sonho
Tirar-vos do meu sentido.
Tendes o pé pequenino,
Do tamanho dum vintém;
Bem podia calçar d’oiro
Quem tão pequeno pé tem.
Comecei em fios de oiro
A notar vossos sinais;
Menina, vós sondes de oiro,
D’oiro sois, d’oiro ficais.
Cancioneiro da Calheta de S. Jorge, [coligido pelo] Pe. Manuel d’Azevedo da Cunha, Angra do Heroísmo, Edição da Direcção Regional da Cultura, 2001
Cunha, Manuel d’Azevedo da (1861-1937), padre, professor, historiador, jornalista natural da vila da Calheta, Ilha de S. Jorge, trabalhou no lugar dos Biscoitos da mesma ilha e na vila natal onde faleceu’