O Espírito Santo Migrante
Lélia Pereira Nunes *
Vivemos a época das festas em louvor ao Divino Espírito Santo por toda Santa Catarina, sobretudo no litoral, onde o culto do Espírito Santo constitui a grande referência da presença açoriana, a maior expressão de transnacionalidade cultural.
A cada novo ciclo do Divino pode-se observar as muitas faces dos diferentes rituais que se reproduzem sem, contudo, se afastarem da essência do louvor ao Espírito Santo, uma devoção herdada e transmitida de geração em geração. O celebrar será sempre singular – seja lá no Império do Monte na Ilha das Flores, “na partilha do pão da vitória”, “na benção das rosquilhas” da Ilha do Pico, “nos quartos do Espírito Santo” de São Miguel, na cantoria dos foliões na freguesia de Santa Bárbara, na Ilha de Santa Maria, onde tudo começou; seja nas novenas cantadas pelos foliões do Ribeirão da Ilha e Pântano do Sul, na elegante coroação da Palhoça, na plena vivência da tradição no bairro do Estreito, na Divina Festa do Divino de Florianópolis, nas Festas do Divino de Penha à Jaguaruna, norte-sul catarinense.
É o Espírito Santo migrante que veio dos Açores e sua expressão na diáspora: a bandeira encarnada, as procissões das coroas, a coroação, as paradas da América com suas “Queens” e capas ricamente bordadas, fruto de promessas e graças alcançadas, ou, ainda, a tradicional sopa servida a toda a gente, nas comunidades da Califórnia, Fall River, Toronto, Montreal, numa grande partilha fraterna.
As Festas do Espírito Santo têm importância primordial na formação do corpo social açoriano e identificam de forma extraordinária a vida cultural daquelas sociedades onde a sua presença representa um passado distante, uma geografia de afetos, uma história comum, uma indelével herança com 267 anos em Santa Catarina.
Uma veneração que chegou aos Açores nas caravelas dos Descobrimentos, em meados do século XV, com os primeiros povoadores, atravessou os mares do tempo e aporta no século XXI como uma tradição religiosa forte, herdeira de um patrimônio simbólico que consubstancia o imaginário insular. Onde a partilha do espírito comunga com a partilha do pão, do vinho, da carne revivificados no festivo e solene ritual espelhado, de forma singular, em cada Ilha, Concelho, Freguesia e “coração”.
Conhecer a história do culto e das festas em honra ao Espírito Santo é o mesmo que estudar a história de um povo com suas lutas, esperanças e conquistas ante as vicissitudes da vida. É penetrar numa complexa rede de inter-relacionamentos, traduzidos na unidade, na identidade do “ser açoriano” que ultrapassam os limites do espaço arquipelágico e alcançam as terras de emigração, nas numerosas comunidades da diáspora, do Brasil, dos Estados Unidos da América e do Canadá.
Afinal, ELE é um emigrante pelo mundo repartido.
(*) Escritora, Academia Catarinense de Letras