I
LER RUY BELO, POETA DE POETAS
A poesia de Ruy Belo move-se. É um ser movente que nos alegra e nos angustia, ao lê-la. Tenho sobre os joelhos o grande livro de “Todos os Poemas” (680 páginas), ando para trás e para diante, movo-me nos textos que em mim se movem, faço pausas entre as frases do poeta. Apetece saber de cor todos os seus versos, para os dizer em profundidade no meio do silêncio e das inúteis coisas quotidianas. Versos longos, poemas em expansão que nos colhem nas suas grandes asas para nos levarem às partes incertas deste “país possível” que nos habita. Podia transcrever ao acaso: versos em força e em profundidade, dos mais belos que a poesia portuguesa contemporânea traz até nós. Como este que elogia a amada:
“Ei-la que vem ubérrima numerosa escolhida/ secreta cheia de pensamentos isenta de cuidados/ Vem sentada na nova primavera/ cercada de sorrisos no regaço lírios/ olhos feitos de sombras de vento e de momento”.
Transcrever, transcrever sempre:
“O lugar onde o coração se esconde/ é onde o vento norte corta luas brancas no azul do mar”.
É também uma poesia cheia de Espanha (onde viveu e deu aulas): entra por ela dentro, ergue-se do princípio dos caminhos ou no regresso a Córdoba:
(“Nesta cidade onde fomos jovens/ colhemos hoje na praça/ raios do último sol”).
E num modo de estar e de ver Madrid :
“É outra esta cidade esta cidade é hoje a tua ausência/ uma imensa ausência onde as casas divergiram em diversas ruas/ agora tão diversas que uma tal diversidade faz/ desta minha cidade outra cidade”).
(de uma página do meu Diário espanhol, inédito)
II
A NOVA LITERATURA PORTUGUESA
Tal como se diz na vida diplomática, eu "louvo-me" por ultimamente ter lido grandes livros e excelentes novos autores. Existe, de facto, uma nova escrita entre nós – talvez algo de comparável àquela geração de narradores surgida nos anos 80 do século passado e que hoje viaja por aí no nosso imaginário de leitores. "Louvo-me" por ter lido os contos de Valério Romão, "Da Família" (que vivamente aconselho, pela grande escrita e pelo humor); por ler e ler o extraordiário Afonso Cruz (carregado de talento e de imaginação verbal); por ter descoberto em Pedro Guilherme-Moreira o autor fulgurante de "A Manhã do Mundo" (sobre o quotidiano nova-iorquino dos mortos que nos saudaram no 11 de Setembro de 2001) e de "Livro sem Ninguém"; e "louvo-me" ainda por ter estado à beira de uma obra-prima açoriana: "Arquipélago" de Joel Neto; e de ter embarcado na ilha sem lugar, quem sabe se a ilha interior de João Tordo, "O Luto de Elias Gro". Não esqueço "A Definição do Amor", romance que pede emprestada a estrutura dos diários, pela mão de Jorge Reis-Sá. Não esqueço outros e outros que aqui podiam comparecer, cuja nomeação havia de ser ou parecer pretensiosa. Chegam livros quase todos os dias – e quero, obviamente, "honrar-me" com a sua leitura. Agradeço a todos uma tão boa companhia.