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Este conteúdo fez parte do "Blogue Comunidades", que se encontra descontinuado. A publicação é da responsabilidade dos seus autores.
Imagem de Estás Livre no Sábado?- Antonio Ladeira
Comunidades 20 jun, 2016, 15:41

Estás Livre no Sábado?- Antonio Ladeira

Este conto, conjuntamente com "O Professor" (23.05.2016) e "A Caverna" (27.95.2016), sobre tecnologia e ética, são parte de um livro de contos inédito, intitulado 'OS MONOCICLISTAS e outras histórias do ano 2045'.




Estás Livre no Sábado
?

— Estás livre no sábado? 

— Que maneira de começar um telefonema! Já não se
cumprimenta? 
— Desculpa, Carla. Estás boa? 
— Óptima. E tu? 
— Óptimo. Pensei que podíamos ir ver um filme no
sábado. 
 — Um filme? 
— Já ouviste falar n’O Cavaleiro? 
— Já ouvi falar. A que horas? 
— Às quatro, no cinema Central. Posso comprar os
bilhetes. 
— Espera. Fala-me do filme. 
— Que queres que te diga? 
— História, actores, realizador, essas coisas… 
— Pensei que soubesses… 
— Muito por alto. 
— Bom, também não sei muito. É um filme de
aventuras. Passado na Idade Média. Um reino medieval (O Reino do Não, é assim que se chama) é desafiado por um cavaleiro
misterioso, vindo de um reino rival. Não se sabe quase nada do tipo. Esconde a
cara com o visor do elmo sempre descido. Anda há meses a expandir o território
e diz que chegou a vez do Reino do Não.
Tem um exército fabuloso, venceu muitas batalhas. Ganhou confiança e agora não
consegue parar. Pensa que pode conquistar facilmente o Reino do Não. Começa por tentar um cerco à capital mas o príncipe
faz-lhe frente apesar de ter um exército muito inferior. E não vou contar mais
para não estragar a surpresa… 
— Espera. Não há uma história de amor? Para me
fazeres este convite deve  haver uma
história de amor. 
— Há. Ia falar nisso depois. 
— Pois. Eu sabia que não me convidavas para um
filme que fosse só de acção. Esqueces- te de que te conheço, Alberto. 
— Tens razão. Esqueço-me de que me conheces. A
propósito: ainda não te esqueci. Pronto. Já disse. Satisfeita? 
— Em princípio quero ir. Mando mensagem depois a
confirmar, ok?
 — Não podes dizer agora? 
— Não. Depois. O filme não é muito violento, pois
não? 
— Acho que não. Bom, há uma cena em que o
príncipe do Reino do Não corta um
braço ao cavaleiro misterioso. Corta o braço ao pai, portanto. (Descobre-se no
fim que o cavaleiro misterioso é o pai do príncipe). 
— Estragaste tudo!  Para que me foste contar isso? Sabes que não
gosto de saber o fim da história antes de ver o filme. 
— Desculpa! Ainda queres ir ao cinema ou não?
 — Desculpem interromper, amigos. Fala o Agente
Gonçalves, represento os Estúdios Vilanova. Peço imensa desculpa mas recebi um
alerta no meu monitor há uns minutos. Fiquei a ouvir e não quis dizer nada. Não
quis dizer nada mas os Estúdios Vilanova recomendam umas quantas clarificações.
(São só uns minutos.) Ora, em primeiro lugar, a época não é a medieval. São só
trezentos anos antes do que se convencionou chamar a "época medieval". Mas
trezentos anos sempre são trezentos anos, não é verdade? É bom deixar isto bem
claro para que não surjam depois informações desencontradas na net. Compreendem, amigos? Para que não
haja rumores contrários à verdade, o que nunca é bom tratando-se de um filme
histórico, sobretudo de um filme com a marca Estúdios Vilanova. Não queremos
correr o risco de ter espectadores desiludidos no cinema, ou pessoas que, ao
escutarem o rumor, desistam de ir porque, por exemplo, não apreciam filmes
passados na época medieval. Sabem quantos jovens, lícita ou ilicitamente, podem
estar a escutar a vossa conversa? Não sabem. Pois é necessário ter cuidado,
amigos. Compreendido? Além disso, no filme não se afirma categoricamente que o
cavaleiro misterioso é pai do protagonista. Sugere-se
que talvez seja. Insinua-se apenas 
—
de um modo artisticamente sofisticado, diga-se de passagem 
— que tal possa ser
verdade. Além disso, há indícios de que o cavaleiro misterioso se torna amante
da mãe do herói após o nascimento do
príncipe e não antes; ou seja, o
principe pode não ser filho do
cavaleiro misterioso. Isso não está decidido no filme. Não é claro. E essa
falta de clareza, meus amigos, é deliberada. O filme tem mais ambiguidade, mais
nuances do que já anda por aí a dizer
muita gente. Não queremos fomentar rumores, compreendem? Os críticos adoram encaixotar
as coisas e alguns já espalham que se trata de um filme sobre o complexo de
Édipo. (Não sei se leram isto. Devem ter lido.) O filme não é necessariamente
sobre esse tema e, seja como for, vai muito além dessa questão. De acordo? Bem,
penso que já interrompi o suficiente. Os Estúdios Vilanova agradecem a
preferência… E a menina, já agora, não se preocupe por ter ficado a saber,
prematuramente, desse pormenor da possível
verdadeira identidade do cavaleiro. Há muito mais coisas interessantes no filme
que aqui este amigo não mencionou.Muitas mais.Tenho a certeza de que se vão
divertir e que vão dar o vosso dinheiro por bem empregue. Mais uma vez, as
minhas desculpas. E obrigado pela preferência. 
— Onde é que íamos? (Inacreditável, não achas?!)
Vamos ao cinema ou não vamos? 
— Vamos, mas… 
— Mas?
— Ainda gostas de mim?
 — Claro que sim. 
— E tu? 
— É que os meus pais ultimamente andam com umas
conversas estranhas, Alberto. Dizem que mereço melhor do que tu. Vê lá. Que não
tens futuro. Que ser guarda-nocturno não te vai levar muito longe. Todos os
dias tocam no assunto. 
— E tu dizes o quê? 
— O que hei-de dizer? Digo que não é verdade.
Zango-me com eles. Mas têm razão, Alberto. Devias pensar em arranjar outra
profissão. Em estudares, talvez. Em alargares horizontes. Sei lá. 
— Pára. 
— O que é que eu disse? 
— Pára de falar. 
— O que foi? 
— Não ouves a alegria na minha voz? Não a sentes?
Tinha planeado contar-te isto no sábado, quando fossemos ao cinema, mas vou
dizer já. Para quê esperar? A notícia vai ter menos impacto mas mas aí vai:
conheces a empresa Juno? A fábrica de cafés? Ofereceram-me trabalho.
Coordenador dos guardas-nocturnos com possibilidade de passagem ao quadro
dentro de seis meses. Carla, nunca me senti tão bem! Fui lá ver a empresa. Que
maravilha de sítio para se trabalhar! Senti-me bem. Não imaginas. E tudo gente
honesta, bondosa. Os que conheci, pelo menos. O Senhor Justo é um dos bons, de
certeza absoluta, que foi quem me entrevistou. Sabes que eles importam mais de
metade da produção do Território caribenho? E que têm lá fábricas-satélite? Não
gostavas que me transferissem? Só por um ano ou dois? Tu, claro, viri… 
— Muito boa noite. 
— B-boa noite. 
— O meu nome é Karl. Não é o meu nome verdadeiro,
naturalmente, mas para os efeitos desta intervenção, podem chamar-me "Karl".
Como já devem ter adivinhado, represento a Juno. Como monitor de comunicações
telefónicas, estou particularmente interessado em pessoas com as quais tenhamos
recentemente partilhado informação confidencial, especificamente no caso de
estas pessoas estarem prestes a assinar um contrato de trabalho connosco. É o
seu caso, senhor Alberto. No final da entrevista de ontem, o senhor prometeu
(há registos disso, caso não saiba) que não revelaria nada do que lá se disse.
Ora, transcorreram menos de vinte e quatro horas e já mencionou que foi o
senhor Justo quem o entrevistou (ninguém o autorizou a revelar isto!) e – muito
mais grave – que a empresa possui fábricas-satélite no Território caribenho.
Sabem quantos monitores estão neste momento a escutar esta conversa, jovens?
Pelo caminho que o mundo está a tomar, talvez dezenas ou, quem sabe, centenas.
Sabem quantos deles são pagos pela concorrência para arruinar a Juno? Muitos,
caros amigos, posso adiantar-lhes que muitos! Enfim. Não quero interromper
mais. Bem sei que nesta conversa só marginalmente se mencionou a empresa. Mas,
como sabem, há regras que temos de seguir. Antes de desligar, tenho só a dizer,
senhor Alberto, que a oferta que recebeu ontem, ao fim da manhã, fica sem
efeito. Tenha uma boa noite.
— Alberto! Não fiques assim. Vai aparecer outra
oportunidade. Garanto-te. Alberto!… 
— Deixa-me. 
— Então…
— Sou um falhado. Um ridículo! Fazes bem em
querer sair com o Maurício. E os teus pais fazem bem em elogiá-lo e em
quererem-no para ti. Pensas que não sei que o adoram? 
— Mas eu não gosto dele. Acreditas em mim? 
— Não sei. 
— Não gosto. É um menino da mamã. Amadureceu um
pouco desde que começou a trabalhar na empresa dos pais. Mas tem sido
ultra-protegido a vida toda. Nunca precisou de se esforçar para conseguir nada.
 Pessoas assim têm dificuldade em
enfrentar o mundo real. 
— Mas quem falou em enfrentar o mundo real?
Casas-te com ele e vives no mundo de fantasia e privilégio em que ele vive.
Para que queres tu viver no mundo real? Não se vive mal no mundo da fantasia!
Carros último modelo. Uma casa em cada continente. Não vais sentir falta de
mim. E olha que ele adora-te. 
— Não digas isso… 
— Fala Gustavo Correia. Represento a família
Ayala e, em particular, Maurício Ayala. Não queria, também eu, interromper a
vossa conversa. (Reparo que sou o terceiro, prometo que vou ser breve). Mas não
posso deixar passar em claro algumas coisas que foram aqui ditas. Alguns
comentários são claramente infundados e podem ser considerados difamatórios. A
família Ayala não pode aceitar que se diga de Maurício que é uma pessoa
privilegiada, insinuando que o seu sucesso não se deve ao mérito próprio. Ele
que conquistou prémios atléticos de nível internacional, que se formou (com
vários títulos) em algumas das melhores universidades do Território. Além
disso, dar-se a entender que o lugar que Maurício ocupa na empresa não se deve
exclusivamente à sua competência, preparação e talento, é indiscritivelmente
injusto. Faço desde já saber que cópias das entrevistas – e dos respectivos
critérios  de seleção 
— estão ao dispôr
de todos os que as requisitarem. (Escutaram bem, monitores de todo o mundo?!)
Mudando de assunto: uma das coisas que aqui se mencionaram, menina Carla, está
correcta. Conheço o Senhor Maurício o suficiente para lhe garantir que ele a
adora. Aliás, ele deseja fazer um breve comentário que a menina poderá escutar
numa outra linha, já preparada para o efeito. Posso transferí-la? 
 — Pode… 
— Olá Carla. Bom falar contigo. 
— Olá Maurício. 
— Queria perguntar-te uma coisa.
— Diz. 
— Concordas que tenho o direito de me defender? 
— Sim. 
— Põe-te no meu lugar. Não gostavas de poder dar
a tua versão dos acontecimentos quando apanhas alguém a falar nas tuas costas? 
— Imagino que sim… 
— Óptimo. Temos de nos encontrar para falar
destas coisas. Estás livre no sábado? FIM    





NOTA BIOGRÁFICA SOBRE O AUTOR:
António Ladeira nasceu em Almada, Portugal, em 1969. É licenciado em Estudos Portugueses pela Universidade Nova de Lisboa e doutorado em Línguas e Literaturas Hispânicas pela Universidade da Califórnia, Santa Bárbara. É actualmente professor de Literaturas Lusófonas e director do programa de português da Texas Tech University, nos EUA. Ensinou língua portuguesa e literaturas lusófonas nas Universidades de Yale e Middlebury College.Tem trabalhos académicos em publicações portuguesas e internacionais, entre as quais se incluem:Colóquio-Letras, Jornal de Letras, Artes & Ideias, Vértice, Hispania, Bulletin of Hispanic Studies, Portuguese Literary and Cultural Studies, Luso-Brazilian Review, etc. Publicou três livros de poesia em Portugal. A sua poesia tem sido incluída em antologias e revistas nacionais e internacionais, como, por exemplo, a prestigiada ‘Prairie Schooner’, ‘Relâmpago’, ou a antologia ‘Resumo’ (Assírio & Alvim/FNAC, 2010). Fez rádio. Foi colaborador do DN Jovem, onde publicou contos e poemas. Foi crítico literário no jornal Diário de Notícias. Traduziu o volume de contos do autor argentino Fernando Sorrentino "Existe um homem que tem o costume de me dar com um guarda-chuva na cabeça" (OVNI, 2006). Letrista da cantora de jazz norte-americana Stacey Kent, nomeada para os prémios Grammy.    

    
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