RECEITA PARA AGOSTO
Viajam em Agosto, vão às ilhas gregas tirar fotografias para mostrar aos amigos no Inverno
Nas praças italianas desenvolvem xenofobia nipónica, sobem e descem o Nilo, compram «souvenirs»
Os mais aventureiros experimentam os bem denominados “palcos de guerra” –mas não fazem a dieta local.
– A receita para a divinização não é esta, digo-lhes eu, mas já vão demasiadamente longe para ouvir
Demasiadamente longe demasiadamente longe demasiadamente longe
Quanto a mim, enclausuro-me na sombra das árvores e escrevo versos extensos, à maneira de versículos.
O ritmo estival é assim estendido, lento, basto como os sucos vitais.
Tenho a certeza de que procuram o elixir da Felicidade e não sabem oh
Oh e o pior é que não querem saber que Agosto é o mês exacto para receber a Plenitude
Em nossa casa, bastando para o facto enclausurar-se na sombra das árvores
Distraidamente a contemplar as carpas dos tanques sem idade.
Talvez ao longe se consiga ouvir distorcido pela onda do calor da tarde um rádio em emissora popular
Os barcos, estes, vêem-se como reflexos no azul azul da minha ilha helénica.
O meu século turistou da mesma forma que comeu «hamburgers» e vestiu Levi’s 501
A ideologia fica comprovada no facto de não terem apreciado a Poesia.
À noite, os grilos, as rãs e os cagarros desfazem a argumentação histórica
E eu, que porque não embarco não me esqueci ainda da fala dos animais
Traduzo-lhes o poema de Göran Palm, que começa assim:
“Enquanto o sol brilhar sobre nós ou sobre as nuvens, é
Domingo, Segunda, Terça, Quarta, Quinta, Sexta ou Sábado
Mas as noites permanecem sem nome, recusam-se a ser baptizadas.”
E antes de a Morte vir ofertar-nos o sono gratificante
Concedem-nos os deuses benéficos os meses de Verão, entre todos o de Agosto
O mês dos Campos Elíseos, o tempo sem trabalho, sem conquista, sem expectativa
Cheio da Verdade que a fala dos homens recusa e por fim desmente.
O meu leão da Serra da Estrela arrasta-se para a sombra da figueira, eu sorrio a pensar
Na forma bem comportada como até os meus amigos mais irreverentes obedecem ao humanismo
E bebo mais um pouco do meu refresco de frutas com muito gelo
Os barcos, estes, vêem-se como reflexos no azul azul da minha ilha helénica
À noite, os grilos, as rãs e os cagarros desfazem a argumentação histórica
E eu, que porque não embarco não me esqueci ainda da fala dos animais
Traduzo-lhes o poema de Göran Palm, que começa assim:
“Enquanto o sol brilhar sobre nós ou sobre as nuvens, é
Domingo, Segunda, Terça, Quarta, Quinta, Sexta ou Sábado
Mas as noites permanecem sem nome, recusam-se a ser baptizadas.”
Cegam a alma com os olhos. Que há de novo para dizer? De novo
A quinta da tia Carmelo, que ficava na Roma Antiga
Melhor dito, no campo romano das bucólicas de Virgílio.
– A receita para a divinização não é esta, grito-lhes eu, mas já nasceram demasiado longe para ouvir.
Mário Cabral, «O Meu Livro de Receitas», 2000
Nota: https://www.rtp.pt/acores/cultura/reveja-a-ultima-grande-entrevista-de-mario-cabral-video_54862