SAUDADES DE LISBOA
Lisboa. Brasileiros, cada vez mais, andam comprando apartamentos por aqui. Ou visitam, em bandos, essaNobre Lisboa que no mundo facilmente das outras és princesa, como a queria Camões (em “Os Lusíadas”, Canto III). A mesma que, para o amigo Pessoa, era só Uma eterna verdade vazia e perfeita (“Lisbon Revisited – 1923”). Mas por quê?, eis a questão.
Respostas óbvias seriam a língua, que brasileiros demais falam apenas português. Ou uma culinária sem defeitos, segundo Maria Lectícia. Por revelar sabores sofisticados. Enquanto preserva um gostinho de comida caseira. Sem contar sua doçaria, consensualmente considerada a mais importante do mundo. Ocorre que, talvez, a razão real seja outra. Talvez seja só para sentir uma realidade bem diferente da que vivemos, no Brasil.
Isso se vê mesmo em coisas simples. Por exemplo, teatros começam sempre na hora marcada. Sem cambistas. E sem meias entradas. Estudantes que podem, pagam (sem que sejamos obrigados a pagar por eles). Os que não, vão para torrinhas (sempre bem baratas). Como em toda parte. Pedestres atravessam as ruas, nas faixas, sem riscos. Motoristas esperam, pacientemente, até que passem. Não há espertinhos furando fila. Nem nos carros. Nem nas bancas de frutas ou de jornais (com todos disponíveis, de todos os cantos). E vendedores oferecem, nas esquinas, castanhas portuguesas bem quentinhas. Postas em sacos de papel (depois jogados em lixeiras) com dois bolsos. Um para as castanhas. Outro para as cascas, evitando sujar o chão.
Manifestações políticas, só nos fins de semana. Afinal, em Portugal, trabalhadores trabalham. Tudo com horários e trajetos informados, previamente, ao público. Para permitir ir quem quiser. E ninguém seja prejudicado, se tiver o que fazer no trajeto. Protestam nas suas folgas. E, nas greves, dias parados não são pagos – diferentemente do único país do mundo que concede essa benesse, o Brasil. Em Portugal, quando ocorrem, salários saem de um Fundo de Greve dos sindicatos. Centrais são duas, UGT e CGTP. Sindicatos, menos de 100 (não há fonte oficial para ter certeza, nesse número). Até porque não há grana do governo por trás. E a contribuição sindical, de 0,01% do salário, é descontada só de quem quer fazer parte deles. Como no mundo todo.
A cidade é bela. E coerente. Com calçadas em pedras portuguesas, claro. E é proibido destruir fachadas dos edifícios antigos. Por toda parte, vemos armações de aço protegendo essas fachadas. O resto, por dentro, é demolido. Sendo construídos, por trás, edifícios moderníssimos. Depois, tudo se junta. Fachadas velhas, interiores novos. No Brasil, seria proibido pelo Patrimônio Histórico. Aqui, funciona bem.
Ruas, cada vez mais, são substituídas por canteiros. Com árvores plantadas já grandes. Lisboa está se convertendo em um imenso jardim. Tão diferente do Brasil, com essa volúpia por viadutos e mais espaço para carros. Há vasto sistemas de ônibus, bondes, tuc-tucs, taxis baratos (e Uber, claro!). Além do Metro. Não se pronuncia Metrô, como na França. Mas Métro. Há uma história engraçada, sobre ele. Quando, na sua inauguração (em 1959), o Metro pediu, ao poeta Alexandre O´Neill, um slogan para a companhia. O´Neill escreveu Vá de Metro, Satanás. Foi pago. Só que seu slogan nunca foi usado.
Mas a maior diferença é a segurança. Passeamos, pelas ruas, em paz. Aos restaurantes do centro vai-se a pé. De lá, é comum voltar aos hotéis altas horas. Andando. Sem sustos. Grupos de turistas sentam, depois da meia-noite, nos bancos da Avenida da Liberdade. Para conversar. Sem riscos. Sem medos. Bem visto, a razão real para vir a Portugal talvez seja a de que os brasileiros desejam, de vez em quando, sentir um gostinho de civilização.
José Paulo Cavalcanti, jurista e escritor brasileiro, biógrafo pessoano, cronista. Natural do Recife, pertence a Academia Pernambucana de Letras.