TERRA DE MANUEL BANDEIRA
Também eu quisera ir-me embora
pra Pasárgada,
também eu quisera libertar-me
e viver essa vida gostosa
que se vive lá em Pasárgada
(E como seria bom, Manuel Bandeira,
fugir duma vez pra Pasárgada!).
Entanto, tudo me prende aqui
a este lugar desta cidade provinciana.
Como deixar ao abandono o olhar
luminoso dessa mulher que eu amo?
Quem responderá às inquietas
perguntas de minha filha pequena
(cabelo curto, olhos de sonho)?
Quem, no sereno da noite, para as beijar
com ternura e nos braços acalentar?
E esta vida, este sítio,
e estes homens e estes objectos?
E as coisas que amei e as que esqueci?
E os meus mortos e as doces recordações,
as conversas de café e os passeios no
entardecer fusco da cidade?
E o cinema todos os sábados, segurando
com força a mão de minha mulher?
Eles nem são amigos do rei
e a entrada lá é limitada.
Por isso é que eu não fujo
duma vez, pra Pasárgada.
De O País dos Outros (1959)
NOTA BIOGRÁFICA: sobre o Poeta RUI KNOPFLI:
O poeta, jornalista e crítico literário português Rui Knopfli (1932-1997) nasceu em Moçambique, estudou em Lourenço Marques e em Joanesburgo, África do Sul. Filho de portugueses, contava em sua ascendência com um bisavô suíço, de quem herdou o sobrenome, segundo ele mesmo, “estranho”.
Durante as lutas pela independência de Moçambique, Knopfli integrou um grupo de intelectuais que se opôs ao regime colonial. Jornalista, dirigiu o diário A Tribuna no período 1974-1975. Também, junto com João Pedro Grabato Dias (nome literário do pintor Antônio Quadros), publicou, entre 1971 e 1972, a revista de poesia Caliban. Editou ainda o caderno Letras e Artes da revista Tempo, no qual publicou traduções de numerosos poetas, a exemplo de T.S. Eliot, William Blake, Sylvia Plath, Kaváfis, Dylan Thomas, Ezra Pound, René Char e Octavio Paz.
Rui Knopfli viveu em Moçambique até os 43 anos. Em março de 1975, insatisfeito com os rumos do processo de descolonização do país, passou a viver em Londres como conselheiro de imprensa junto à embaixada de Portugal. Dedicou-se a essa atividade durante 22 anos, até a morte, em 1997. Knopfli retornou à terra natal apenas uma vez, em 1989.
FONTE: Agradeço a CARLOS MACHADO a permissão para publicar no Comunidades.
Do : Poesia.Net , Número 385 – Ano 15 20-9-17