BorderCrossings
Leituras Transatlânticas V
Vamberto Freitas. “Apóstolo da Literatura Açoriana” e de muitas Literaturas que cabem no mundo açoriano, nos degraus da sua universalidade. Mais um atravessar fronteiras, numa liberdade de pensar e agir sem fronteiras. Como só ele sabe e a como nos habituou, pois não fora assim e não estaríamos no V Volume desta verdadeira saga literária de recensões e análises.
Nunca escrevo esta minha coluna, aqui em Leituras do Atlântico, sem ler e sem saborear o que leio. Seria desonestidade intelectual que eu não me perdoaria, escrever sem ter lido um livro. E este, de Vamberto Freitas, não é um livro para ler, como se lê um romance, ou um livro de contos e narrativas, nem mesmo um livro de história. Em cada um dos capítulos, em cada uma das recensões de Vamberto Freitas, arquivadas em BorderCrossings: Leituras Transatlânticas, há um mundo que se basta a si mesmo. E a nós, leitores, basta lermos um para ficarmos de alma cheia, de ensinamentos e acima de tudo eivados do clima de generosidade e amizade que se desprende de cada recensão de Vamberto Freitas.
Dele já me custa falar e escrever, porque muito já escrevi e disse. E ele sabe-o. Nos momentos bons e menos bons, nos alegres e nos de profunda dor, Vamberto consegue sempre superar-se e “vinga-se” da dor e das contrariedades, lendo muito e escrevendo sempre com mais acuidade e profundidade. Senti isto, neste V Volume que segue a matriz dos anteriores, mas que respira actualidade e atrevo-me a dizer, traz uma carga afirmativa que Vamberto explica logo a abrir o livro, quando escreve que chama a si “a missão de dar um pouco mais de vida pública ao melhor do que se publica entre nós aqui nos Açores, no Continente, na nossa Diáspora espalhada um pouco toda a parte, mas especialmente na América do norte, assim como a alguma literatura norte-americana, muito especialmente a que se publica em tradução no nosso país e de algum modo exerce influência sobre os nossos próprios”.
E quando há pouco eu escrevia sobre o humanismo que Vamberto transmite nos seus trabalhos, pensava até na dedicatória deste BorderCrossings: “Em memória da Adelaide, amor e companheira da minha vida… E para Ana Cabral, que se dedicou à sua grande amiga durante cinco anos e agora me acompanha na recuperação.” Para quem conhece Vamberto Freitas, esta dedicatória tem um peso de muitas lágrimas e de muitos afectos (a palavra pode estar estragada, mas é a melhor que me ocorre).
Com chancela Letras LAVAdas, estamos perante cerca de duas centenas e meia de páginas que se dividem em três grandes áreas: Açorianidade Negada ou Reafirmada; De Todas as Diásporas e América de Todos e de Ninguém. E como corolário, duas entrevistas, ambas memoráveis: uma concedida à jornalista Ana Carvalho Melo do Açoriano Oriental e outra dada ao jornalista e director executivo do Diário dos Açores, Osvaldo Cabral, que curiosamente termina com a revelação de um projecto que mostra que nesta fase da sua vida, quando vive os últimos tempos da sua outra grande paixão que é o ensino na Universidade dos Açores, já pensa nos novos tempos que se avizinham. Confessa Vamberto Freitas: “Espero depois mudar de rumo, se ainda tiver forças e a mesma vontade de sempre. Queria muito fazer uma biografia colectiva da minha geração. Ou numa narrativa sequencial, ou então em ensaios interligados e revendo a mesma história de quem entrou na minha vida, quer em termos literários quer em termos pessoais. Será a minha homenagem aos sobreviventes e aos que já se foram. Por certo que as questões literárias ocuparão sempre um espaço privilegiado”.
Ou seja, para Vamberto Freitas o futuro é feito da soma de presentes, com reflexos passados, porque ele mesmo é tudo isto, homem que atravessa fronteiras e que é capaz de estar onde está a necessidade de acompanhar Amigos no atravessar das fronteiras pessoais e literárias.
Por isso dá gosto ler as recensões de Vamberto Freitas. Em jornal, na sua página, agora no Açoriano Oriental, ou, melhor ainda nos seus já cinco volumes de BorderCrossings.
Ainda há dias, escrevia Aníbal Pires, que no final do ano passado apresentou esta obra na Livraria Letras LAVAdas, que Vamberto Freitas “é um ser generoso. Ninguém mais do que ele tem aberto as portas ao conhecimento e à divulgação da produção literária nos Açores e na diáspora”. E também é de recordar aqui o que escreveu Álamo Oliveira a propósito do anterior volume: “Estes livros são a arrumação de um criterioso trabalho de escrita que incide sobre a escrita dos outros”.
E é verdade. O próprio Vamberto Freitas na entrevista ao Osvaldo Cabral deixa-nos esta ideia quando diz que “tento prestar atenção, de um modo ou outro, ao melhor que se vai publicando em Portugal, nos Estados Unidos e no Brasil. Claro que não se pode ler sequer uma pequena parte do que se publica. Desde sempre, no entanto, tento não deixar passar em branco o melhor que se publica nos Açores e na Diáspora, e aqui também seria impossível chegar a todos. Para mim, a literatura, como alguém já escreveu, “são as notícias duradouras” de uma sociedade, de uma época, de uma língua e de um povo. Claro que os da minha terra estiveram no centro das minhas atenções, e continuarão a estar. Temos escritores cujas melhores obras não devem nada a ninguém no mundo, em qualidade e relevância, se me é permitido utilizar esta expressão. Não há povos mais ou menos importantes do que outros, só as diferenças nos seus modos de encarar a vida e a morte”.
Esta visão, cheia de auto estima para uma Região como a nossa – Vem aí uma geração de grandes escritores e poetas, alguns dos quais já começaram a demarcar o seu espaço. Mesmo que alguns vivam fora das ilhas, a verdade é que quase toda a sua obra está profundamente marcada pelas suas origens açorianas – é uma visão de futuro, de que antecipadamente se orgulha Vamberto Freitas. O mesmo que na já referida entrevista à jornalista Ana Carvalho Melo diz que para escrever um artigo por semana só se consegue “com uma disciplina férrea e com muita leitura. O meu lugar na Universidade dos Açores permite-me isso, mas também por um condicionalismo pessoal e familiar que me força a ler e escrever constantemente. Não necessariamente como um escape, é como uma devoção à minha própria vida, de certa maneira, é uma homenagem à minha companheira que também era escritora e trabalhava constantemente”.
BorderCrossings – Leituras Transatlânticas V é, pois, mais uma pedra neste grande edifício que Vamberto tem construído nos Açores e que se projecta muito para além da Região, podendo mesmo ser considerado como um dos melhores e mais poderosos meios para a universalização daquilo que se faz nas Ilhas e que já vai ganhando outra dimensão, noutros ambientes culturais e literários, mercê deste persistente caminho trilhado por Vamberto Freitas.
Para ele este abraço. Do Amigo e do leitor que o admira e respeita! Sem Fronteiras!
PS. Não podia deixar de referir aqui o gesto que foi, na apresentação deste livro, a oferta a Vamberto Freitas, por parte da editora Letras LAVAdas de uma “edição gigante” condensando os cinco volumes. Uma memória imorredoura.
Santos Narciso