501 Anos de Circum-Navegação e o Brasil
A roda da história completou mais um longo ciclo. Cinco séculos se passaram desde que, em 20 de setembro de 1519, Fernão de Magalhães deixou o porto de Sevilha para navegar em torno da terra. Obstinado, como todo desbravador das coisas desconhecidas, o ousado navegador português, a serviço da coroa espanhola, acreditava que iria encontrar uma segunda rota marítima entre a Europa e o longínquo Oriente, especialmente, as Índias.
Assim, desafiou perigos e mistérios dos mares, em busca das tão valiosas e cobiçadas especiarias. Era uma época em que a canela, o cravo, a pimenta e a noz moscada valiam fortunas, que só chegavam à mesa dos poucos muito ricos.
A data merece uma crônica, já que Fernão de Magalhães aportou no Brasil para reparar suas caravelas. E, também, fazer aguada, como se dizia na linguagem da navegação daquela época. Se navegar era preciso, alimentar os corpos de 240 marujos era, também, indispensável.
Sobre a histórica viagem, o italiano Antônio Pigafetta escreveu um longo diário. Anotou que a frota parou na baía de Guanabara e que o capitão Magalhães não encontrou dificuldade para encher os porões das suas cinco caravelas, com água fresca e muita comida.
Deve ter sido uma animada festa da gastronomia e da gula marítima. Afinal, os marujos tinham navegado por mais de mês, sonhando com água e comida fresca. Aproveitando-se da boa-fé dos silvícolas, os navios foram facilmente abarrotados de galinhas, batatas, frutas tropicais e carne de anta, que seria “parecida com carne de vaca”. Também de “pinãs” muito doces”, o nosso abacaxi.
Outros alimentos exóticos das tropicais terras brasileiras, devem ter empanturrado os famintos marujos e garantido os alimentos para a continuação da viagem, rumo ao sul do continente.
O diário de bordo continua revelando a exploração, eufemisticamente, chamada de “troca vantajosa” a que foi submetido o indígena brasileiro: “por um anzol ou por uma faca, nos deram cinco a seis galinhas; por um pente, dois gansos; por um espelho ou uma tesoura, o pescado suficiente para comerem dez pessoas; por um guizo ou por um cinto, os indígenas nos traziam um cesto de batatas, nome que dão aos tubérculos que são mais ou menos a figura de nossos nabos e cujo sabor é parecido ao das castanhas”.
Pigafetta descreve, ainda, a esperteza dos marujos espanhóis para “negociar” com os inocentes nativos brasileiros: trocavam cartas de baralho, “um rei de ouro, por seis galinhas” e os indígenas ainda “acreditavam ter feito um magnífico negócio”. Sobre a antropofagia, anotou que “eles (os indígenas) comem algumas vezes carne humana, porém, somente a de seus inimigos”. Mas, não seria “por gosto ou apetite” e, sim, por uma crença de que, comendo a carne do inimigo, se sentiriam mais fortes.
O relato do escrivão da viagem de Magalhães mostra, sem dissimulação, como a nossa gente foi enganada e espoliada pelos colonizadores europeus, que se consideravam um povo superior. Mostra, também, que se sentiam no direito de impor a ferro e fogo os seus costumes, a sua religião, o seu modo de vida para submeter os “outros” povos não europeus a um processo de exploração das riquezas produzidas na América, na África e na Ásia.
Nota:O Autor João José Leal é catarinense de Tijucas. Promotor Público e escritor, membro da Academia Catarinense de Letras. Assina uma oluna de crônicas no jornal O Município da cidade de Brusque.