Tinha 11 anos de idade quando senti ,pela primeira vez, a terra tremer. Foi no dia 15 de fevereiro de 1964 quando ,na freguesia do Norte Grande e na freguesia das Manadas ,se sentiram os primeiros sismos que dariam origem à Crise Sísmica que duraria até abril de 1965. Esta crise caracterizada por sismos contínuos de intensidade elevada, daí serem muitos sentidos, acompanhados pela condições atmosféricas muito adversas: inverno rigoroso,chuva forte,vento, frio, mar alteroso ao redor de toda a Ilha, disseminou a angústia, o temor, o medo e ,sobretudo, o terror dos nossos irmãos de Rosais,das Velas, da Beira de Santo Amaro que viram muitas das suas habitações ruirem pela intensidade dos sismos cujos epicentros se centraram nestas localidades.
Como consequência da destruição verificada tornou-se inevitável a evacuação para o Concelho da Calheta onde os sismos sentidos atingiram baixas magnitudes. Assisti,por isso ,ao ÊXODO forçado das pessoas destas localidades que passavam no Norte Grande ,dia e noite ,encharcadas ,com o medo, o sofrimento estampado no rosto, mães com crianças ao colo, crianças da minha idade cansadas pela longa caminhada, mas com um único objetivo- chegarem a um lugar onde não se sentissem sismos e lhes oferecesse alguma segurança. Do Norte Grande,apesar de se continuarem a sentir sismos,ninguém saiu, com a excepção de uma família que embarcaria para a Terceira num dos navios que responderam ao SOS lançado pela Capitania do Porto da Horta. A falta de informação e de coordenação, que tivesse permitido o alojamento de algumas famílias noutras freguesias, levou a uma aglomeração descontrolada na Vila da Calheta com as consequentes necessidades e carências sentidas ao nível do alojamento e alimentação ,visto a Ilha ,no seu todo ,ser parca no armazenamento de bens essenciais. Para ajudar no suprimento de algum pão, a casa da Senhora Maria dos Anjos Morais Hipólito no Norte Grande, dotada de dois fornos,havia de tornar-se numa padaria onde muitas sacas de farinha, transportadas pelo navio Girão numa viagem heróica desde a Terceira,se tornariam em pão,resultado do trabalho de algumas senhoras voluntárias e dos rapazes que, de porta em porta, iam pedindo e transportando lenha para os fornos. Assim ,fornada atrás de fornada, o pão cozido era transportado para a Calheta nos táxis dos Senhores Trajano Melo e Fernando Goulart a que haviam sido retirados os assentos traseiros para ganhar mais espaço. Um camião da Lacticínios de S.Jorge transportava alguns lavradores que iam às freguesias evacuadas colher algum leite das poucas vacas que o produziam no Inverno. A evacuação para as ilhas vizinhas ,nos navios que aportaram ao porto da Calheta e que operaram em condições extremamente gravosas ,terá atingido mais de 3000 pessoas. 58 anos depois…do alto dos meus 69 anos, tendo vivido a crise de 1964, sentido o Terramoto de 1980 e o Sismo de 1998…senti também o primeiro sismo, agora na Vila das Velas,no dia 19 de março, que daria início à Crise sismo vulcânica que nos assola desde então. Estabelecendo um paralelismo entre as duas, evidencio os seguintes aspetos: Ambas tiveram o seu início no sistema fissural das Manadas com posterior migração para oeste : a de 1964 com maior incidência em Rosais; Devido à falta de registos, não sei se em igual período de tempo terá feito mais ou menos sismos: aquilo que posso testemunhar, e corroborado por gente da minha geração ,é que os sismos sentidos em 1964 foram, sempre e desde o início da crise, de maior magnitude; Também em 1964 estivemos sob o risco de uma erupção vulcânica,que veio a acontecer no mar entre Velas e Rosais. O Parque habitacional de então era frágil porque de construção de pedra sem argamassa interior. O nosso Parque habitacional atual com a reconstrução efectuada após a crise de 1964 e as normas de construção anti- sísmica introduzidas após o Terramoto de 1980 está dotado de uma robustez capaz ds resistir a um sismo de magnitude mais elevada. Em 1964 ,a projeção de meios de apoio exteriores foi feita em reacção, ou seja já depois da crise se ter iniciado e de já se terem sentido os seus efeitos nefastos. Em 2022, a existência dos Serviços Municipais e Regional de Proteção Civil, permitiu a adoção de medidas preventivas, como um Plano de Evacuação do Concelho de Velas, concebido ao pormenor, bem como a projeção de meios de apoio e socorro do exterior que devem inspirar- nos confiança, sem descurarmos,contudo, as regras de auto- proteção. Em nenhuma crise do género nos Açores tivemos uma resposta preventiva com tantos meios técnicos, científicos, humanos e físicos para fazer face, de forma rápida e eficaz, a qualquer
eventualidade que venha a surgir. Algum alarmismo e a decisão de saída de motu próprio (não foi uma evacuação porque não houve razões para tal) do Concelho das Velas quer para o Concelho Calheta quer para outras llhas poder-se ão entender como a necessidade de implementar e desenvolver uma verdadeira cultura de proteção civil através da qual cada cidadão ganhe o conhecimento e a consciência da realidade geográfica/geológica em que vivemos-DORMIMOS SOBRE VULCÕES- bem como a capacidade de gerir emoções ,agindo com CALMA e SERENIDADE responsável, perante eventos resultantes dessa realidade. Como corolário desta minha explanação,quero deixar o meu reconhecimento pelo excelente trabalho desenvolvido até agora por todas as Entidades envolvidas, nas quais deposito toda a minha confiança. BEM HAJAM!!!
Bem Hajam.
NOTA BIO: Manuel Soares, 69 anos de idade. Professor de Educação Física do 2° Ciclo do Ensino Primário (Aposentado); Ex-Presidente da Direcção e Ex-Comandante do Corpo de Bombeiros da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Velas, Ex-Presidente da Direcção da Federação dos Bombeiro da Região Autónoma dos Açores, Ex-Delegado do Serviço Regional de Proteção Civil para a Ilha de São Jorge.