A Alegria está de volta – “Vamos, vamos Chape”
Não se surpreendam com o título acima. É isso mesmo. Desta vez não escreverei sobre as manifestações culturais de tradição açoriana que, em plena temporada de verão, alegram o cotidiano das nossas comunidades do litoral: as cantorias de Reis, as danças folclóricas, o tecer da renda de bilro, a louça de barro, o ir e vir das baleeiras, a mítica procissão da Nossa Senhora dos Navegantes – a rainha do Mar, a gostosura das brincadeiras do Entrudo e a magia contagiante do samba, do ritmo sensual do Carnaval, antevendo dias vestidos de roxo.
Hoje, resolvi escrever sobre a Associação Chapecoense de Futebol, o time de uma cidade chamada Chapecó que na língua indígena Kaingang quer dizer “donde se avista o caminho da roça”.
Confesso. Eu gosto muito de futebol e cá tenho minhas paixões: o centenário Hercílio Luz de Tubarão, a terra natal e o “Avaí”, Leão da Ilha, retornando à Série A do campeonato brasileiro. Sou fã do futebol arte e técnico do paulista Palmeiras e acabei gostando do verde Sporting de Portugal por influência de Daniel de Sá que, lá da sua Maia, torcia apaixonadamente pelo gigante do Alvalade.
Há coisa de um ano ou mais comecei a prestar atenção na bonita campanha que um time de futebol do oeste catarinense vinha realizando e conquistando simpatias por todo estado barriga-verde. Chamava atenção o empenho de seus jogadores no uniforme verde esperança. Chamava atenção a animação da sua torcida e o grito de guerra “Vamos, vamos Chape” que passou a ser de todos. Festejamos com os amigos de Chapecó a gloriosa classificação do “Chape” para disputar a final da Copa Sul Americana contra o Atlético Nacional da Colômbia e o sonho de conquistar seu primeiro título internacional.
Entretanto, na madrugada de 29 de novembro aconteceu a maior tragédia do esporte brasileiro mudando o curso da história de 43 anos daquela equipe de futebol tão querida. Um acidente aéreo matou a delegação da Chapecoense a poucos minutos do avião da La Mia aterrissar no aeroporto de Medellin (Colômbia) e a um dia de disputarem o título da Copa Sul Americana representando Santa Catarina e o Brasil, desencadeando uma comoção coletiva, gestos de carinho, de humanidade de todo planeta. Reações em cadeia de solidariedade nos 295 municípios catarinenses, em todo o Brasil, de norte a sul e no mundo. A dor de Chapecó nascida na noite de Medellin mexeu com toda gente de forma extraordinária e se propagou num uníssono clamor como uma onda gigantesca: “Vamos,vamos Chape”.
Desde então somos todos Chapecoense. O Verdão se transformou o segundo time dos catarinenses e para sempre o primeiro de Chapecó, a quinta maior e mais próspera cidade do estado catarinense, capital brasileira da Agroindústria, importante centro brasileiro de pesquisas Agropecuárias e polo regional de ensino superior. Terra dos índios Kaingang até 1836 quando tropeiros gaúchos e paulistas cruzaram a região para comercializar gado vacum. Corajosos guerreiros como o cacique Vitorino Condá, o líder que lutou e garantiu a posse das terras indígenas. Hoje, a Aldeia Condá fica a cerca de 15 quilômetros do centro de Chapecó, a cidade planejada como uma toalha quadriculada ou um tabuleiro de xadrez. Fundada a 25 de agosto de 1917 por desbravadores gaúchos, imigrantes italianos e alemães (e descendentes) que, nas primeiras décadas do século XX, abandonaram o “pago” e correram atrás dos seus sonhos nas terras do vizinho estado de Santa Catarina, Chapecó com mais de 200 mil habitantes e perto de celebrar 100 anos apresenta um Índice de Desenvolvimento Humano(IDH) invejável e seus indicadores sócio-econômicos estão entre os mais elevados do país.
Afinal, qual é a força que une tantos? De onde vem? Dos kaingang e seu líder Condá, símbolo de resistência, de paz e de união? Do colonizador imigrante, gaúcho desbravador que amainou a terra e conquistou o seu espaço? Tão somente é um somatório de valores, de vibração, de sinergia coletiva vívida de um clube de futebol e de sua torcida – que portavam a alegria nos pés e no coração.
Talvez, por tudo isso e diante da fragilidade do viver, o acidente aéreo que dizimou o elenco da Chapecoense continua emocionando e monopolizando a atenção da imprensa de modo geral. Muito se falou e sabe-se lá o quanto mais vão falar sobre a tragédia e os 71 mortos na Colômbia.
Prefiro falar das muitas homenagens e da mística de uma equipe – o CHAPE que, hoje, é muito mais do que “onze jogadores”. É uma marca. Simboliza coragem, união, solidariedade. Quero lembrar a comovente homenagem do povo colombiano reunido, no estádio Atanazio Girardot de Medellin, ao reverenciar a Chapecoense na noite da partida. O brado forte: “Vamos,vamos Chape” afagou a alma do nosso povo, abraçando-nos além das quatro linhas do campo, das latitudes e geografias, das diferenças de língua e cultura. Numa surpreendente demonstração de respeito e de grandeza ímpar, o Atlético Nacional decidiu conceder a Chapecoense o título de campeã da Copa Sul Americana – o sonho aguerrido do “Chape” se tornou realidade. A que preço!
Trinta dias depois da queda do avião que transportava jornalistas, dirigentes e jogadores do time de Chapecó, o Clube mergulhado na dor da saudade fez publicar uma edição especial do seu Informativo Mensal. A publicação não divulga fotos e nem traz notícias esportivas. Apenas narra uma história, daquelas que começam assim: “Era uma vez…” Uma história para crianças, bonita, ilustrada com desenhos de Samicler, terna e singela. Um “Era uma vez” que caminha entre a ficção e a realidade enlutada. Alessandra Lara Zuanazzi Seidel, autora do texto de Era uma vez…, encontrou na estrutura lúdica do conto infantil a forma mágica de contar a tragédia, segundo a qual “a delegação da Chapecoense foi convocada por Deus para uma partida no céu”. Foi a melhor homenagem aos que morreram – a memória de todos eternizada e seus feitos contados e recontados do jeito que gostamos de começar: Era uma vez…
A alegria está de volta. Finalmente. Dois meses após a longa e trágica noite de 29 de novembro, a Chapecoense retorna a casa – ao Estádio Índio Condá. A “Nova Chapecoense”, o novo “Verdão” voltou a entrar em campo na tarde do sábado, 22 de janeiro, para um jogo amistoso contra o Palmeiras, atual campeão brasileiro de futebol. Um jogo cheio de significativas homenagens e simbolismos assinalou o renascer, o recomeço, a volta da esperança. Um elenco reconstruído com 23 novos jogadores num curto espaço de tempo. Vindos de toda parte, a maioria por empréstimo. O grito da alegria preso há 54 dias voltava ao estádio e rolou no gramado verde, nas bandeiras e caras pintadas, na lágrima da emoção e nos pés de cada jogador. O grito de guerra da Chapecoense – “Vamos, vamos Chape”, entoado pela torcida aos 71 minutos da partida em memória às vítimas do acidente e que irá se repetir em todos os jogos da Arena Condá ficou vibrando como um vagido, anunciando o (re)nascer da Chapecoense, a volta da alegria de uma equipe e de um povo que por saber “esperançar” respira fundo, levanta, sacode a poeira e dá volta por cima tal qual o refrão do popular samba.
É vida que segue.
Lélia Pereira Nunes
Fevereiro de 2017