A Lélia Nunes, lá dos confins do Brasil, antecipou-se-me ao vir aqui dar um abraço de agradecimento ao Manuel Adelino Ferreira, que agora deixou a direcção do Portuguese Times. De seguida, logo ali do meu Pico da Pedra, chegou o Osvaldo Cabral a juntar-se-lhe no gesto. Eu deveria ter arribado primeiro do que qualquer um porque sinto-me da casa há mais tempo, sou amigo do Adelino há quatro décadas e colaboro no jornal hámais tempo do que eles. Digo isto para lamentar e culpabilizar-me do meu atraso e não para estabelecer qualquer autoridade, que não tenho nem reclamo.
Conheci o Adelino Ferreira na minha primeira visita aos EUA, no Verão de 1970, emcaso do Valdo Correia, em Somerset, que na altura juntava com frequência os amigos da emigração recente mais motivados a conversas para além da rotina do trabalho. Estavam lá, entre outros, e além do anfitrião e do Adelino, o Luís Aguiar e o Norberto Resendes. Voltei a encontrá-los nos anos seguintes, enquanto o círculo se alargava: o Manuel Silveira, o Rogério Silva, o Heldo Braga (que eu conhecera em Angra), o Manuel Maria Duarte. As conversas
eram animadas e a política portuguesa, sempre o grande tema naquela recta final do salazarismo-caetanismo, já provocava divisões, se bem que sem consequências graves.
A vinda do Portuguese Times de Newark, New Jersey, para New Bedford
contribuiu decididamente para animar os encontros e convívios. Naquela altura New Bedford respirava energia, entusiasmo, esperança, com alguns dos nossos emigrantes aqui chegados já com alguma rodagem escolar a atirarem-se para as universidades locais na peugada de uma aprendizagem que lhes garantisse melhor inserção no meio. Foram anos de partir pedra no universo americano, a tentar perceber as estruturas da sociedade americana e o modo como articulava os
seusvalores, para nós ainda dificilmente penetráveis porque o fraco
conhecimento da língua também não ajudava.
Os anos foram rolando, o 25 de Abril com as suas tempestades a chegarem-nos aqui ao pé da porta, e uma figura foi-se aos poucos delineando com uma personalidade vincada sobretudo por uma serena inalterabilidade. No meio de discussões acesas, o Adelino Ferreira era o mais estável, o mais agarrado aos factos, servidos sempre por uma excelente memória, e com uma capacidade de discernimento entre factos e opiniões que naquela altura a alguns fazia reagir por lhe exigirem tomadas de posição mais explícitas. O Adelino tomava-as e
mantinha-as, mas conseguia encarar os factos viessem de onde viessem e passá-los pelo crivo equilibrado dos seus juízos. Para mais, sempre sem alterar o seu estado de espírito, pelo menos sem exteriorizá-lo. Quando assumiu a direcção do jornal, eu próprio lhe sugeri que era altura de ele intervir mais abertamente e escrever o editorial que, como director, lhe competia.
O Adelino esquivou-se sempre e fui percebendo aos poucos que os seus editoriais eram escritos no seu modo de condução da direcção do jornal. Aberto a ideias, escancarou sempre as portas a uma grande diversidade de colaboradores, cada qual com os seus pontos de vista independentes. Sempre que lhe recomendei um novo colaborador, o Adelino aceitou de bom grado. Vários deles ainda hoje escrevem para o PT, uns com mais regularidade do que outros. (Aproveito para explicitar que o fiz sempre com pessoas que julguei de qualidade, nunca porser amigo de A, B, ou C, norma que ainda procuro seguir em todas as
minhas recomendações. Isso não significa que estas sejam neutras pois tenho, como qualquer, opções e preferências, todavia são imparciais, o que significa que os meus juízos de valor são emitidos independente do tipo de relação que tenho com as pessoas em causa. Aliás, o Adelino sabe perfeitamente que assim é porque com ele pude sempre ser directo e frontal e ele foi exactamente do mesmo modo comigo.)
O Adelino tornou-se assim a barra firme que foi enfrentando embates
diversos, tempestades fortes, pressões e conflitos de personalidades diversas, sempre com lhaneza e exibindo com constância as qualidadesque o foram afirmando ao longo dos anos. Foi assim que o Portuguese Times acabou constituindo um repositório muito rico de reflexões sobre a experiência da nossa diáspora ao logo das últimas quatro décadas, facto deveras singular na imprensa das comunidades portuguesas fora de Portugal. No seu conjunto, as suas páginas
constituem hoje um manancial rico, um vasto rol de testemunhos valiosos que ajudarão a compreender quem, no futuro, quiser compreender o universo comunitário por todos nós partilhado. O responsável principal desse conjunto foi precisamente o Manuel Adelino Ferreira que só por isso merece de todos nós um
sincero aplauso e grato abraço.
O meu vem agora a público juntar-se aos aqui já dados e a outros que
naturalmente se seguirão. Só falta acrescentar um elogio ao esmero que o Adelino punha na leitura dos textos publicados no PT, intervindo com tacto, para evitar ferir susceptibilidades, na correcção de erros ou emenda de gralhas, graças a um conhecimento sólido de gramática trazido na bagagem, bem como o escorreito domínio da língua que a sua escrita sempre espelhou.
Fonte: Artigo publicado originalmente na coluna DIA-CRÓNICAS,Jornal Portuguese Times(New Bedford.USA),Edição No. 2134/16 de maio de 2012