SÃO JORGE – PICO
Diz o Poeta Almeida Firmino* que na Ilha do Pico
não há grilos! Ele é que sabe desta vida maravilhosa de cantores
que se perderam no fundo dos vulcões
e cantaram tão alto que perderam
as asas canoras nos fundos poemas da terra…
O João sorri, frontalmente, e concorda
que os grilos não podem passar o canal de barco
ou a nado…
Os grilos, às vezes, embarcam de asas coladas
nos sacos e malas dos emigrantes
e vão para a América: mas de lá
não vêm notícias de tais cantores
que se perdem nas ruas de Boston ou São Francisco,
atropelados pelos automóveis!…
Os grilos em São Jorge são bons companheiros
das noites: cantam e vão connosco
pela Ilha fora, anunciando
nas manhãs nocturnas
as passadas ganhas na caminhada!
A Ilha do Pico está a duas passadas do olhar…
Se não há grilos no Pico é por saberem
que Almeida Firmino os substitui com liberdade
e alegria!
Os grilos sabem que o Poeta-do-Pico
está atento a todas as asas
do mesmo cantar de fogo!
O João vai pedir ao primo que é pescador
e vai pescar todos os dias para S. Roque
que 1eve no barco grilos para o Pico. Depois
é com o Almeida Firmino: Ele que diga
aos grilos que devem cantar na erva
e não desaparecer nos caminhos frios
de basalto que vão ter ao centro da Ilha
onde o vulcão dorme aquele sono
que tira a voz aos cantores!
Cantar na erva, ao sol e ao luar,
é dever de todos os músicos
já que o futuro pertence aos seus cantores
entre enxadas e remos!
Carlos Faria, São Jorge -Ciclo da Esmeralda (2.ª edição revista, 1992)
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ESMERALDA
Esmeralda é a pele da ilha…
Verde desde o basalto
este é o petróleo vegetal
que segura o vento
e se aquece nas raízes.
Por aqui passaram os vulcões
no seu tempo calmo de ter tempo.
Verdes são as mãos da ilha:
tapete de pão
esta terra boa para os dentes
para os dentes se encontrarem
enquanto o pão é a enxada de anzol curvo.
O vento canta na erva
E o trigo faz caminhar os moinhos
e decepa trezentas nespereiras bravas
numa noite sem barcos no porto
e um céu de faróis apagados.
Espelho verde
O chão faz de esmeralda aérea
Poisados nos olhos!…
Carlos Faria, S. Jorge (Ciclo da Esmeralda),
Deleg. da Coop. Semente em Lisboa, 1979
(Mús. – “Fado”, G. F. Rosais, S. Jorge)
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SÃO JORGE, COSTA NORTE
Desço com o vento a Ribeira dos Vimes, levo
pássaros nos ombros e escuto a voz da água da Caldeira.
Esmeralda, o ar da manhã…
A terra treme: é o vulcão oculto da ilha, a boca de
rir tremendo, o registo nos ramos altos das árvores
livres… Tremer sem medo é uma linguagem da ilha, a
febre profunda de chegar às raízes das pessoas…
É Verão quando não chove e o vento sopra do
sul. E se chover é o mesmo…
O basalto é azul até onde o mar chega… A costa
norte rebenta de silêncio e o João, a golpes de enxada,
põe ao sol o corpo submerso dos inhames.
As crianças da Fajã sorriem para o sol-total desta
manhã norte de São Jorge: este é o poema!
Fecho os olhos e com as mãos procuro em carícia
a erva no solo e levo-a à boca como um animal
civilizado que lhe agradece a beleza e o aroma magnífico
deste céu terreno.
João acena-me com os braços erguidos, chama-me
com o seus gestos de pescador e camponês: gestos que
trazem raízes e ondas, a bondade universal da ilha e do
mundo!
Não é o que sinto e canto que faz o Poema! O
poema é a Ilha e a sua gente; o resto do que digo não
passa duma manhã de esmeralda com um homem
dizendo “bom dia” nos gestos de trabalhador!
Carlos Faria, S. Jorge (Ciclo da Esmeralda)
Deleg. da Coop. Semente em Lisboa, 1979
(Mús. – “Saudade de S. Jorge”, G. E. Beira, S. Jorge, 2002)
Photo: Velas/S. Jorge, Pico – Credit Jorge Góis