A Fechar
(…)
Há um retrato de água e de quebranto
Que do fundo rompeu desta memória,
E tudo quanto é rio abre no canto
Que conta do retrato a velha história.
José Saramago –“Retrato do poeta quando jovem”
Não foi fácil pôr um ponto final neste livro de memórias. Foram muitas horas a viajar pelo tempo e, quando as viagens são boas, não queremos que acabem.
Há, na memória, qualquer coisa doce e indefinida. O Tempo vai filtrando as impurezas e perdoando à vida certas agruras. Por isso as recordações valorizam o que de melhor ela nos deu. Descobrimos, então, que a memória é uma forma delicada de saudade e um desejo de exteriorizar o que foi acontecendo por dentro de nós, que é aquilo de que somos feitos.
Li e reli estes testemunhos de tantos Antigos Alunos e noto que as diferenças entre eles, independentemente da idade, da profissão, dos percursos ditados pela vida são muito pequenas. O que há de comum entre todos é o grande tesouro deste livro.
Os anos passam, os governos passam, os contextos mudam, as motivações alteram-se, mas o Liceu está sempre ali, a marcar presença, nos seus alicerces físicos e humanos. E a dar frutos incontestáveis. Afinal, o que a memória guardou é aquilo que verdadeiramente importa e se torna intemporal – essa Idade de Ouro, que é a adolescência; os sonhos e os desejos; as amizades e alguns amores que ficam para a vida e, acima de tudo, as lições dos grandes Mestres. Foram estes que nos ensinaram a amar o conhecimento e a descobrir o valor intrínseco das coisas – o deslumbre das Ciências; a magia das palavras; o poder da Filosofia e do que ela muda em nós, nessa idade maravilhosa de descoberta. Mestres que o foram, dentro da sala de aula e fora desta, naquilo que nos davam a conhecer do mundo e da vida nas atividades extra-curriculares, nas récitas, através da música e da poesia, ou num simples jogo de bola.
O Liceu foi um mundo que se abriu aos olhos de quem o frequentou. Um mundo complexo e fascinante que os professores materializavam na sala de aula.
Sobretudo para os alunos que vinham das zonas rurais, sem mais horizontes do que aqueles que a pequenez da terra ou a limitação do mar lhes permitiam, chegar ao Liceu era sentir um pouco o que os velhos descobridores terão sentido ao chegarem a uma terra por desbravar. Tudo se torna possível, a partir de então.
Tenho a certeza de que, se percorrermos os corredores do nosso Liceu, nos breves momentos em que neles não há alunos, conseguiremos ouvir os passos de tantas gerações que por lá andaram como se fossem os nossos próprios passos e, se entrarmos sozinhos na Biblioteca, os sonhos que invadiram aquele espaço confundir-se-ão com os nossos próprios sonhos. Porque há coisas que são eternas e a memória ajuda-nos a que assim seja.
Maria João Ruivo
Nota: O texto da professora Maria João Ruivo,integra o livro Memória s do Nosso Liceu.