Após tantos encontros de intelectuais, académicos e escritores sobre o tema da Lusofonia, onde é mais do que óbvio que são fortes nos participantes as marcas deixadas por uma convivência histórica de 500 anos em que houve mais ou menos miscegenação e mais do que contágio mútuo cultural e, sobretudo, uma implantação da língua portuguesa (com toda a espécie de transformações, é certo), como será possível negar uma diferenciação entre o mundo lusófono e o hispânico? Se bem que ninguém consiga explicar o que ela seja, todos a sentem em maior ou menor grau e admitem-no se conseguem falar em situações livres, despolitizadas e fraternas. Mas publicamente as tensões e as feridas ainda não completamente saradas vêm ao de cima e a palavra "lusofonia" – que nem sequer conseguiu entrar no documetnto oficial que criou a CPLP – tonou-se asim como uma espécie de ‘vício inominável’ que toda a gente sabe que existe mas não se atreve a referir. E então os mais renhidamente influenciados pelos resquícios do marxismo, que em tudo vêem interesses do capitalismo, advogam um mundo naïf em que as trocas sejam todas como que ditadas pela força evangélica de um cristianismo em que não acreditam. Recusam-se a admitir ser natural haver interesses de parte a parte no cultivo dos laços linguísticos e culturais entre os países de língua oficial portuguesa. Se assim é, não se espere que sejam os intelectuais a ditar o que se deve fazer. Está na essência da academia divergir, concentrar-se na análise, criticar, desestabilizar. Avance-se portanto com projectos práticos, se há de facto interesses mútuos a desenvolver. E se continuar a ser quase proibido utilizar a palavra ‘lusofonia’, que seja posta de lado mas que isso não constitua impasse. Sigamos essa tão portuguesa maneira de fazer de conta que não existe enquanto existe de facto. Por outro lado, que se faça o contrário da nossa tradição de chamar nomes pomposos às coisas e ficar-se por aí, sem mais nada. Sejamos pragmáticos e façamos o que quer que seja permitido pelos laços que esta língua partilhada há 500 anos, para nosso bem e/ou mal, criou e que, por mais que queiramos, não poderemos evitar, pois se não há determinismos quanto ao futuro, existe um determinismo do passado na medida em que ele não pode ser apagado visto já ter acontecido.
Num número recente de Latitudes. Cahiers Lusophones publicado em Paris, o seu director Daniel Lacerda, num artigo intitulado "Lusofonia Teoria e Prática", muito crítico embora do luso-tropicalismo e seus excessos, conclui nestes termos:
Para nós, a lusofonia é um espaço de partilha e de reagrupamento de iniciativas em busca das nossas raízes, na expressão da nossa diferença e onde cada qual pode afirmar a sua personalidade e os seus valores. Manifesta-se na prática cultural, artística e literária, numa base de tolerância, de bom entendimento e sem preocupações de competição, em fraternidade livre e desinteressada à volta de valores artísticos e culturais. Será mais ou menos isto, tanto quanto entendemos."[1]
E pode ser mais, se os interessados estiverem de acordo. E sobretudo se deixarem de apenas falar. Em português naturalmente.
Onésimo Teotónio Almeida – Açoriano de S. Miguel, vive há trinta e seis anos anos em Providence, Rhode Island, e é professor catedrático na Brown University. O seu livro mais recente é "Aventuras de um nabogador & outras estórias-em sanduíche" (Bertrand 2007).
Irene Maria F. Blayer
02-07-08
[1] N.31 (Decembre 2007), p. 52.