O Gabinete de Censo dos Estados Unidos publicou recentemente os produtos estatísticos do 2020–2016 American Community Survey 5-Year Estimates. Entre os dados estatísticos, verificam-se aqueles referentes à ancestralidade dos vários grupos étnicos que constituem o tecido populacional dos Estados Unidos. E, entre estes, encontram-se os dados pertencentes às origens ancestrais dos luso-americanos.
Os luso-americanos são considerados como um grupo estabelecido nos Estados Unidos, uma vez que a maioria dos que imigraram para este país e que ainda se encontram vivos – os da primeira geração – o fizeram nas décadas de 1960 a 1980. De acordo com dados do 2019 American Community Survey 1-Year Estimates, consequentemente, apenas 18,2% dos luso-americanos nasceram fora dos Estados Unidos e só 11.8% nasceram em Portugal.
Embora os luso-americanos da primeira geração tenham maiormente uma ascendência única, ou seja, são filhos de dois pais portugueses, o mesmo talvez já não se verifique com os seus filhos e os seus netos.
Até que ponto, continuam os lusodescendentes a praticar a endogamia, ou seja, a casarem-se com pessoas de origem portuguesa? E em que medida, aqueles com pais de origem mista – e após uma ou mais gerações de exogamia – continuam a identificar-se como sendo de descendência portuguesa?
Os dados fornecidos pelo American Community Survey não dão resposta direta a estas questões, mas podem fornecer-nos uma visão global do trajeto de endogamia e de exogamia entre os luso-americanos.
Análise a nível nacional e estadual
Começo por apresentar no Quadro 1, os dados fornecidos pelo Gabinete de Censo relativos aos Estados Unidos globalmente, bem como os referentes aos estados onde residem mais de 25,000 pessoas que se identificam total ou parcialmente como sendo de ascendência portuguesa.
Como se verifica no Quadro 1, a maioria dos luso-americanos – 59,1% – que presentemente residem nos Estados Unidos têm ascendência múltipla, ou seja, têm pais de origens ancestrais diferentes. Porém, existem diferenças muito significativas entre os estados.
Apenas nos estados de Massachusetts e Nova Jersey se continua a verificar uma maioria de luso-americanos com uma única ancestralidade – 52,6% e 62,3%, respetivamente. Estes são estados de imigração não só antiga – tendo início no século 19 em Massachusetts e em New Jersey mais persistentemente nas primeiras décadas do século 20 – mas também de mais longa duração durante a onda de imigração pós-1960.
Estados, que designo de estados em transição, como Connecticut, Flórida, Nova York e Rhode Island (embora este último estado tenha padrões de imigração portuguesa semelhantes aos de Massachusetts), a percentagem de luso-americanos de ascendência única fica entre os 40% e 50%.
Em estados, como a Califórnia e especialmente o Havaí, caracterizados por imigração de Portugal mais antiga e de menor duração nas décadas pós-1960, uma minoria dos luso-americanos tem ascendência única (38,1% e 18,4% respetivamente).
Nos estados onde os luso-americanos se têm vindo a radicalizar mais recentemente, e onde há uma menor concentração étnica, como o Texas e o Washington, uma elevada maioria dos luso-americanos tem origens ancestrais múltiplas – 70% e 74.8%, respetivamente.
Análise a nível de cidades
Uma análise dos dados referentes a cidades (e uma vila) de elevada concentração geográfica de portugueses, fornece-nos uma visão mais completa dos padrões de endogamia e de exogamia entre os luso-americanos.
Em cidades dos estados de Massachusetts, Nova Jersey e Rhode Island, mais de 60% dos luso-americanos – e notavelmente 90% em Newark – têm uma só ascendência (Quadros 3, 4 e 5).
Em cidades da Califórnia, como San Diego, San Francisco e San José, as percentagens de luso-americanos com ancestralidade única já se encontram abaixo de 50% (Quadro 2).
As diferenças entre estados e cidades devem-se em parte aos padrões de imigração de portugueses para os Estados Unidos. Nas áreas de radicalização tradicional, remontando-se ao século 19, e onde a imigração oriunda de Portugal e de outras áreas da diáspora portuguesa se prolongou em maior volume até às últimas décadas do século 20, uma maioria dos luso-americanos tem ancestralidade única, verificando-se o reverso nos estados e cidades de imigração antiga, mas de menor assiduidade nas últimas décadas do século 20.
Outro fator, que explica as diferenças, relaciona-se com a concentração populacional dos luso-americanos. Nos estados e nas cidades onde a população luso-americana é menor, como acontece nos estados onde recentemente os luso-americanos se têm vindo a radicalizar, a probabilidade de casamento com uma pessoa da mesma etnia é bastante reduzida, sendo, ao contrário, mais provável em espaços onde residem muitos luso-americanos.
Os dados analisados neste artigo levam-nos a ponderar sobre a dimensão futura e a longevidade das comunidades diaspórias luso-americanas. Com um menor nível de imigração de Portugal, uma taxa de mortalidade crescente entre as gerações das décadas de 1960 e 1970, e ainda a prática de exogamia que se verifica entre os luso-descendentes, até que ponto, e por quantas gerações, se susterá a identidade luso-americana, bem como a dimensão e a densidade das nossas comunidades diaspórias nos Estados Unidos?
Fontes:
U.S. Census Bureau. 2020–2016 American Community Survey 5-Year Estimates.
U.S. Census Bureau. 2019 American Community Survey 1-Year Estimates.