Ao acordar, dona Aparecida virou-se para Rufino. Ia falar, mas não pôde, não soube o que dizer. Apenas o risco de um riso maroto atravessava seu rosto. Rufino dormia – parecia – mas abriu um olho e deu uma piscadinha.
Então dona Aparecida passou a caprichar mais nas roupas. Estava amando.
Mandou fazer para si um conjunto de saia-e-blusa, no modelo do terninho-uniforme do Apostolado da Oração, de que era sócia ativa. Vendo que a saia ficara meia-canela, encarregou-se de cortar bom pedaço. Comprou calcinhas azuis, cor-de-rosa, de toda cor, para assim agradar mais ao bem-amado nas indevassáveis horas. Mas, com contido desapontamento, percebeu que o amante preferia as roupas pretas, abominando as coloridas.
Na revista das famílias cristãs nada encontrou que explicasse estas esquisitas preferências, embora tivesse muito procurado. Um dia, sem querer, viu num cantinho de página de uma revista feminina – enquanto aguardava consulta com o Dr. Parobé – a explicação de uma psicóloga norte-americana, que, não tanto por ser psicóloga, mas mais por ser norte-americana com certeza, justificava aquele bem-estar geral de Rufino quando dona Aparecida ia para a cama com roupas negras:
"Por que os homens, de uma forma geral, atiçam-se melhor para o amor quando as companheiras portam trajes íntimos pretos? Segundo a Professora Scarleta Ó Chantily, em pesquisa realizada com orangotangos na Universidade do Zaire, esta preferência deve-se ao fato de que a grande maioria da população masculina faz sua iniciação copulosa com prostitutas, e estas, sabendo que eles preferem a cor negra, só usam calcinhas e sutiãs pretos. No meio rural, porém, esta iniciação se dá com fêmeas multicolores: leitoas brancas, do tipo Landrace; novilhas preto-e-branco, do tipo Jersey; cabras trepadeiras, montesas ou não; de modo que a cor preta não interfere quase nada. Como adendo à iniciação sexual no meio rural, podemos acrescentar que entre os adolescentes do sexo masculino é muito praticado o barranquismo, que consiste, como a palavra indica, em encostar, em barranco apropriado, éguas ou potrancas em flor, e praticar com elas certas aplacações instintivas, comuns à idade. Entre eles, aliás, o incesto, primeira norma social de que se tem notícia, é largamente praticado, sem malícia nenhuma, mormente entre primos e primas, nos primeiros anos de ardor, cessando depois o ardor e a prática. Não fosse isso, não haveria iniciação sexual para o sexo feminino, já que os danados atiram-se com tanta volúpia sobre as fêmeas do reino animal".
Dona Aparecida não entendeu muita coisa do artigo em questão, mas conservou seu costume de dormir com roupas pretas.
Cláudia, porém, em segredo, elaborava maus pensamentos. Não via prova nenhuma. Passou, então, a fazer penoso trabalho interior para levar a si mesma a desacreditar do que lhe parecia verdadeiro. Mas as dúvidas avolumaram-se e o povo começava a inventar. Seu Hipólito, nos tragos de fim da tarde na bodega, ensinava que, por mais que quisesse inventar, o povo só podia inventar toda a verdade.
Cláudia casou com um nanico ruço, de nome arrevesado e foi morar no norte do país. Uns disseram que afastou-se para tão longe de vergonha do que a mãe andava aprontando. Outros discordaram e condenaram as línguas venenosas que gostavam de judiar de pobres próximas viúvas, sem defesa de ninguém – porque eram mulheres.
Mas dona Aparecida engravidou. Foram noites de muitas angústias, de discussões em cochicho, de rostos contraídos nas sombras do alumiar da lamparina do quarto de dona Aparecida. Rufino, ruivo, tinha ruivores de raiva. Dona Aparecida contou nos dedos os meses passados desde a morte do falecido e bateu as mãos pro céu, quase acordando as outras crianças, que dormiam sem nada saber. E ditou a estratégia para o bem-amado: "Um nenê de sete meses se cria bonito de ver, nem não faz muita falta um par de mês a menos que ele deixa de passar na barriga da mãe". Rufino, assustado, não entendeu. Dona Aparecida explicou: "Vou para Curitiba, faço pouco alarmosa cesariana". Rufino, desesperado, não entendia o coração feminino de dona Aparecida. "Você não sabe a tabuada, não sabe fazer contas, não sabe somar nem nos dedos?" Dona Aparecida parava um pouco nas raivas para explicar de uma forma que o seu novo homem pudesse entender. "Quantos meses faz que o falecido finou-se? Não são nove? Não são nove meses de março a dezembro?" Ainda não entendia? Só mesmo no coração feminino de dona Aparecida para sentir as seguranças antes de a cabeça entender. "Fazendo apenas nove meses, o filho pode ser do falecido".
No Natal o menino Jesus era um nenê de cabeça vermelhinha, olhos meio fechados – por causa da claridade, dizia dona Aparecida – que foi saudado com grande alarde, ganhou presentes de todos, dos irmãos e dos coirmãos – a família de dona Aparecida era composta de gente diversa, filhos do primeiro marido, filhas do segundo e, agora, do terceiro homem.
O menino suportou bem os dois meses de exílio, recuperou as forças que lhe haviam roubado por agrado de conveniências, cresceu bonito como o milho e chamou-se Jeremias, para atender aos desejos da mãe, emérita leitora da Bíblia, que, estando em dúvida sobre que nome pôr em seu filho tão sofrido, o pobrezinho, abriu as histórias sagradas e leu lá: "Antes de formar-te no seio materno, pensei em ti; antes que saísses do seio de tua mãe, consagrei-te".
O povo não se conformava. Diziam uns: "Aquele último, o ruivinho, é filho do enteado. Ele é irmão e pai dele ao mesmo tempo. Ali vai dar a maior confusão". Diziam outros: "Das mulheres todo mundo fala, mas homem faz o que quer". Diziam mais uns, diziam mais outros: "Ele trabalha e cria. Sustenta e alimenta. Onde é que está a safadeza?"
Dona Aparecida tinha se traído, segundo dona Assunta, mulher do bodegueiro, pessoa de pouco falar: "Esses dias ela me contava um sonho que teve: uma cobra ia morder o seu pé. Então ela me disse: ‘Daí eu gritei e cutuquei o Rufino: me atende, homem, que tem uma cobra querendo me morder’. Daí ficou bem vermelha e trocou de assunto bem ligeiro".
De repente correu a notícia de que Dona Aparecida ia casar-se. Mas precisava de licença do Papa, seu caso era de grandes gravidades. Na Igreja não havia só problemas de sangue. A Igreja queria pouco escândalo e muito respeito – quem dissera fora o padre do lugar, que também citara de cabeça o apóstolo São Paulo, que era o general da Igreja: "Se alguém está abrasado, se é de ficar em pecado, que se case". Ora, o casal não estava somente abrasado, estava amasiado, estava abraçado, estava condenado setenta vezes sete, se não se casasse meio logo. Essa foi a principal justificativa que constou no processo.