Victor Hugo Forjaz
Texto anárquico, caótico, de um sujeito da área das ciências. Declarações de Amor – um pedido estranho…1º parágrafo, escrito no Cabeço das Cruzes. Declaração de amor ao livro, em geral: Julgo saber que todas as manifestações desse género são parvas ….
Contudo, esta não o é. Porque a minha paixão pelos livros, pelo (sim, pelo) escrito, vem da Escola Primária do Prof. Manuel Joaquim Tristão de Brito, mestre-escola da Ladeira de Santo António,no Faial. Era pessoa seca, magra, nervosa, comunicativa.
Diziam que era exilado político casado com Senhora da ilha (a filha casou com um Kielberg,da Terceira, sendo nosso colega de liceu – era pequena muito doce, derretendo qualquer coração pelo seu bom trato…). O Professor Tristão tinha um vime de faia do Largo Jaime Melo, vime disciplinador. Tratava todos da mesma maneira,filhos de pobres ou filhos de ricos, ricos à moda do Faial, claro). Nosso inesquecível Mestre tinha uma memória espantosa. E no dia em que um de nós – autêntico bando de endemoniados – fazia anos, Prof Tristão de Brito descia o lindo calçadão da Ladeira, estilo romano, e ia com o aniversariante à Loja do Sr. Cardoso, adiante da botica de meu pai, na rua Conselheiro Medeiros. Perguntava ao Sr. Cardoso, livreiro amável e sabedor, o que havia de novidades, novidades que civilizassem o selvático aniversariante. A sessão demorava o seu tempo, pois Mestre Tristão de Brito folheava cada obra e passava-as ao candidato. Depois o livro selecionado era embrulhado em papel castanho,levava barbante à volta e o aluno levava-o para casa. E mostrava-o e emprestava-o aos colegas da escola da Ladeira de Stº António. …Assim me injetaram o vício de amar os livros de papel. Nunca serão substituídos pelas peças eletrónicas. O gosto do papel, cuspido dedo a dedo, é gourmet sem substituto!!!
2º parágrafo, escrito na falha da Serra Gorda, com rodopiantes parapentistas. Declaração de amor a um livro, em especial: Como sou liberal e anarquista,conforme os tons e os ditames do anticiclone dos Açores, como ensinei 50 anos na universidade,desde gente inteligentíssima ao mais cretino homo dito sapiens (alguns destes em importantérrimos cargos lisboetas e insulares ….) , como fui embora e nenhum dos meus exempregados me disse adeus / uf!!, como fui para casa sem ao menos um baratíssimo e moderníssimo e-mail reitoral ou governamental , declaro o meu amor ao livro que um dia hei-de escrever!Será em papiro vindo da ilha de Stª Maria, formato A4 deitado (o da moda), escrito em gótico com sangue de um gordo dragoeiro do Cais do Mourato, no Pico. Já tem tema: “O que os presentes geólogos da chamada universidade dos Açores deviam já saber… e não sabem”. Haverá um capitulo curricular, ou seja, o que tal gente tem feito desde que tentaram degolar-me, no tempo de Machado Pires bem como no consulado seguinte,garciano, repleto de trolhas e de copistas. Enfim, será uma declaração de amor sem índice e as páginas serão numeradas à romana…XL…CCII…MV…etc. Ficará na lista do Guiness, meu guia de criança. Como escreveu Pessoa, “Somos do tamanho dos nossos sonhos”!
Vamberto Freitas
São alguns os livros que me influenciaram decisivamente ao longo do tempo. Mas um será especial na minha vida literária: Lettters on Literature and Politics 1912-1972, de Edmund Wilson, publicado postumamente e selecionado e organizado pela sua esposa Elena Wilson.
No tempo em que se escrevia cartas à mão ou numa máquina, alguns dos grandes escritores fariam da sua correspondência com colegas,amigos ou leitores como que um outro género literário,com tudo o que isso implica. Forma, conteúdo e ideias, uma vez tornadas públicas, cartas como as de Wilson não só nos deixavam entrar no seu trabalho do dia-a-dia, como acima de tudo nos permitia ver o seu o mundo mais íntimo, e as razões que os levavam a dedicar-se a certas temáticas ou géneros literários. Harold Bloom, no seu conhecido Cânone Ocidental, “elegeu” Edmund Wilson como sendo o crítico “canónico” norteamericano do século XX. Mais tarde, noutro contexto,diria que “crítica é memória”. Se aceitarmos estes postulados, as cartas de Wilson sobre literatura e política são autênticas peças de arte que documentam toda uma era e várias gerações, fazem parte da memória ou dos arquivos criativos da sua língua e cultura. Influenciou-me de maneira muito forte na minha própria escolha de temas que, entre nós, deveriam também ser estudados,elaborados e divulgados entre a nossa classe culta.
Leonor Sampaio da Silva
Querido Livro:
No dia em que te conheci, o mundo girou à minha volta. Chegaste como enviado dos deuses, tão sábio e belo que receei perder-te para outras paragens.Todas as noites eu saía pela janela para te ver. Acabei ficando retida na tua morada.Hoje já não me encontro contigo em segredo. Puxo-te para a luz. Armas-me e desarmas-me. Tens sempre a palavra certa para a incerteza. Apoio a cabeça nas tuas mãos e reinvento-me sem parar.Nunca dormes. E eu, que pertenço ao lote que chamaste de «ardente confusão de estrela e musgo », um dia não saberei acordar. Nesse dia, outras mãos cravarão os dedos na tua massa, mas eu não me importo: são meus os sublinhados, minhas as dedadas de leitura, minha a assinatura abaixo do teu nome: Ofício Cantante.
Com amor, Leonor.
Urbano/Bettencourt
Várias décadas depois de me cruzar com eles, os livros continuam a desempenhar o papel de sempre:rasgar janelas sobre o mundo, desvendar caminhos na opacidade do tempo, questionar as certezas e a acomodação dos dias.Cada momento tem o(s) seu(s) livro(s)
particular(es) e a memória de leitor faz-se da soma de todos os que foram ficando ao longo do caminho. Mesmo quando se tem dois ou três livros que nos amparam a leitura e a escrita, referi-los seria injusto para os com outros.