O “Jornal da Festa do Livro dos Açores” convidou quase duas dezenas de autores açorianos – de diferentes vocações, gerações, projeções e localizações (São Miguel, Terceira e Faial, Lisboa, Boston e Florianópolis – para um painel de emoções sobre a nossa comum “Paixão pelos Livros”:
Carlos Bessa, Emanuel Jorge Botelho, João de Melo, João Pedro Porto, Lélia Pereira Nunes, Leonor Sampaio da Silva, Luiz Fagundes Duarte, Madalena San-Bento, Nuno Costa Santos, Onésimo Teotónio de Almeida, Paula de Sousa Lima, Santos Narciso, Urbano Bettencourt, Vamberto Freitas, Victor Hugo Forjaz e Victor Rui Dores.
Foram desafiados a escrever um testemunho pessoal de dois parágrafos, num exercício de criatividade (que todos tiveram) e de síntese (que poucos cumpriram). E aceitaram o desafio.
Vale a pena ler…
Carlos Bessa
Não amo nenhum livro. Os livros são objetos e eu não amo objetos. Alguns livros têm sido importantes para mim. Porque me encantam. Porque me ajudam a perceber quem sou. Porque desvelam facetas e pormenores sobre as pessoas, sobre
o que são e fazem. Alguns são poderosas máquinas imaginativas. Outros, retratos impiedosos da alma humana. Sem livros, o mundo seria muito mais aborrecido.
Como não amo livros, não tenho nenhum que seja especial. Gosto dos que me surpreendem ou fazem descobrir mais mundo. Não gosto dos das palavras chiclete. Nem dos que tentam piscar-me o olho. Apenas dos que vão mais longe.
Tantos.
Alguns são enormes, outros muito breves.
Emanuel Jorge Botelho
IL MESTIERE DI VIVERE
O coração tem um bolso, pequenino, cheio de tiras de papel. São pedaços de livros que a memória
quis pôr a salvo do morrer do Mundo. Pedaços de paixão. Rútilos.
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Um dia, em data de cãs cansadas, pousei os dedos no Diário de Cesare Pavese – Ofício de Viver.
Ainda hoje sinto como o meu tacto colocou cada uma das suas palavras dentro do meu olhar.
Para sempre.
Onésimo Teotónio de Almeida
Uma declaração de amor ao livro? Aos 70 anos isso já não se faz. Mas posso revelar que muitas vezes acordo abraçado a um (a Leonor não tem ciúmes porque não raro faz o mesmo). As mesas de cabeceira
de ambos os lados da nossa cama têm pilhas deles.
Declarar-me a um livro em especial é mais complicado.Isso geraria ciúmes entre os outros não mencionados. Mas garanto que toda a vida o melhor livro tem sido o próximo, o que vou começar a ler logo.
João Pedro Porto
Um livro e uma porta terão em comum absolutamente tudo. Ambos são feitos para abrir e fechar,note-se a semelhança no movimento; dão
ambos para outra banda; entrada, fuga, refúgio:tudo coisas que oferecem a quem se aventure à passagem. Não há edifício maior, mais onusto de
portas e quartos, mínimos ou da forma do salão,que uma biblioteca.Todos os escritores são um. Outrossim, todos os livros são o livro. Ter uma biblioteca de quinze
mil exemplares, arrumados nas percalinas, rutilando com sedução em torneadas prateleiras, ou ter um livro na cabeceira, um apenas, a desencaminhar
o sono, serão coisas atadas uma à outra,próximas de sentido e peso.