A autora recorreu, e bem, a citações de escritores consagrados que fizeram, ao longo do tempo, a apologia do Movimento Regionalista, para melhor no-lo darem a conhecer, tais como Cipriano Nunes Barata, António Lopes Machado, João Nogueira Pinto ou Aníbal Pacheco. Muitos outros, de mérito comparável, poderiam ter sido citados; mas tal não deslustra a selecção feita por Maria Beatriz Rocha-Trindade, que não poderia nunca almejar ser exaustiva, numa matéria que tantas reflexões tem concitado, ao longo de décadas, por parte de um grande número dos seus ideólogos e cultores.
No capítulo consagrado à “Construção da Notoriedade”, a Directora do Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais da Universidade Aberta adopta uma atitude de prudência nas escolhas que faz quanto aos nomes das personalidades que entendeu mencionar expressamente. Em primeiro lugar, cita alguns dos autores, como António Lourenço, Lopes Machado e Nogueira Ramos que se dedicaram a traçar retratos e biografias dos Regionalistas da Serra, a cujas obras remete, para um conhecimento mais aprofundado desse universo de personalidades serranas de reconhecido mérito.
Permitimo-nos juntar referência a uma obra da nossa própria autoria, o Dicionário de Autores da Beira-Serra, cujo lançamento em Novembro de 2008 não seria ainda do conhecimento da autora de A Serra e a Cidade, à data em que a sua obra foi redigida. Ali se inventariam escritores, intelectuais, cientistas e artistas que nasceram ou estiveram ligados à região, em Arganil,’ em Seia e em outros municípios da nossa Serra, e que inclui perto de 300 verbetes!
Em segundo lugar, Maria Beatriz rocha-Trindade indica que apenas mencionará «uma única personalidade exemplar de cada perfil, na certeza de que os próprios leitores serranos conhecerão facilmente muitas mais que a ele se ajustariam também».
Assim é, de facto: usando o privilégio de ser autor deste Prefácio, aqui faremos menção, para além do Professor António Nogueira Gonçalves, que tanto contribuiu para prestigiar os intelectuais da Beira-Serra, aos inúmeros Mestres Universitários oriundos da Região: são em torno da cinquentena esses Beirões que constam da Memória Professorem Universitatis Conimbrigensis de 1290 a 1937.
Segundo o mesmo princípio, juntaremos como estadistas ligados à região, além do Professor Marcello Caetano, citado pela autora do livro A Serra e a Cidade, as figuras de José Dias Ferreira e de António José de Almeida.
Na Literatura não ficarão também omissos os nomes do poeta D. Luís da Silveira, com mais de duas dezenas de poesias seleccionadas por Garcia de Resende para o Cancioneiro Geral; bem como os de Brás Garcia Mascarenhas, o Visconde de Sanches de Frias, José Simões Dias, António Francisco Barata, Alberto da Veiga Simões, o historiador António Gonçalves Matoso e seu filho José Matoso, merecendo ser ainda lembrados, entre os contemporâneos, os escritores António de Vasconcelos e José V. de Pina Martins, ao lado do poeta Vasco de Campos.
Por outro lado, além da mencionada figura ímpar da Religião, D. Eurico Dias Nogueira, Arcebispo Emérito de Braga e escritor de grandes recursos, mais uma dezena de Bispos deverão ser lembrados em Arganil (já biografamos 6 de entre eles).
No capítulo dedicado às relações entre a Serra e a Cidade, adivinha-se a preocupação teórica, de raiz sociológica, nas considerações que a autora tece a propósito dos conceitos de país, região e terra, os quais a conduzirão, mais adiante, a escalpelizar as ideias fulcrais do regionalismo serrano.
Com a prudência que se impõe para evitar possíveis erros conceptuais na leitura das suas páginas, a investigadora preocupa-se em que seja sempre feita uma distinção clara entre Regionalismo e Regionalização, noções que não obstante apresentarem alguma afinidade semântica entre si, divergem profundamente no seu fundamento político: a primeira, como construção da sociedade civil; a segunda, como solução de organização dos poderes do Estado.
Ora, apesar de o regionalismo ser o tema principal deste trabalho, dele não está ausente uma oportuna discussão sobre a regionalização. Na opinião da autora, na região da Serra não se verifica apenas o isolamento populacional, mas igualmente um significativo afastamento dos centros de decisão política, para além das sedes do poder autárquico, cuja capacidade de intervenção é todavia claramente insuficiente para resolver problemas estruturais como a desertificação humana e o envelhecimento demográfico, provavelmente relacionados com o factor crítico da quase total ausência de empregos. Nessas circunstâncias, parece ser necessária a existência de um nível intermédio de poderes do Estado (neste caso, o das futuras Regiões Administrativas) capazes de contribuir para a resolução, de forma integrada, daquele tipo de problemas.
É muito valiosa a contribuição da Doutora Maria Beatriz Rocha-Trindade ao salientar a importância do Movimento Regionalista dos três concelhos, até porque não tem importância similar em Portugal, nem sequer nos outros municípios da Beira-Serra, embora se trate, toda ela, de uma área empobrecida e em fase de desertificação e que, por isso mesmo, não deveria ser ignorada pelos poderes públicos, antes pelo contrário.
Iremos limitar-nos, por agora, ao registo das informações reunidas pela autora de A Serra e a Cidade, sublinhando que somente no município de Arganil existem 59 entidades regionalistas, outras 48 em Góis e 63 na Pampilhosa da Serra. O total é impressionante: 170 associações regionalistas!
A estudiosa oferece ainda dados sobre as respectivas datas de fundação: 3 no período da I República, 7 nos anos da ditadura militar (1926-1930); na época do Estado Novo foram implantadas mais 102 associações e mais 26 no período entre 1960 e 1974; além de outras 32, após 1974. Não são, no entanto, suficientemente esclarecedores estes números: muito mais interessante seria conhecer a média anual dos investimentos governamentais durante a Ditadura e compará-los com os que ocorreram depois de 1974. Por nossa parte, temos a convicção de que os governantes de ontem e de hoje pouco se têm empenhado pelo progresso das nossas vilas e aldeias…
As linhas finais do livro, subordinadas ao título algo revelador: «Uma Lufada de Ar Fresco» indicam claramente quanto a autora aprecia e confia nas potencialidades do Movimento Regionalista, do qual as Gentes da Serra são simultaneamente os actores, com diferentes graus de protagonismo, os garantes e os principais beneficiários.
De facto, verifica-se que o Movimento tem contado, ao longo dos anos, com um conjunto de lideranças empenhadas e esclarecidas, qualquer que seja a dimensão da estrutura a que respeita, seja ela uma Casa Concelhia ou uma Liga ou Comissão de Melhoramentos de freguesia ou de lugar. Na realidade, têm em geral sempre tido dirigentes capazes de dinamizar as actividades associativas, mobilizar apoios e recursos, promover as suas terras de origem e melhorar os mais diversos aspectos da vida das respectivas populações.
Na opinião da autora, a distância física entre a Serra e a Cidade não tem inibido a que se mantenham vivazes as ligações existentes entre estes dois pólos do Regionalismo, graças ao suporte humano que de ambos os extremos lhe é dedicadamente fornecido.
Uma palavra para uma faceta do livro que não pudemos, infelizmente, até agora avaliar, mas que merecerá a nossa maior atenção logo que este livro seja efectivamente comercializado. Trata-se da ilustração da obra com fotografias de Jorge Barros, profissional de altíssima craveira, com extensa obra publicada e que nos felicitamos por ter dedicado um pouco do seu talento à Região que constitui tema deste livro.
Numa espécie de síntese final, diremos que de todo este trabalho se deduz que será necessário consultar, futuramente, A Serra e a Cidade, de Maria Beatriz Rocha-Trinda
de, que nos oferece uma ampla visão do Movimento Regionalista nos Municípios de Arganil, Góis e Pampilhosa da Serra, para que melhor seja conhecida esta Região da Beira-Serra.
São Paulo,