Já velho, cansado e descrente dos homens, Alexandre Herculano (1810-1877) deixou um dia Lisboa (“cidade de muitas e desvairadas gentes”) e recolheu-se à vida no campo: fez-se lavrador na sua Quinta de Vale de Lobos e, durante os 10 anos que antecederam a sua morte, plantou vinhas e olivais e ali redigiu parte das suas mais importantes obras.
Num outro milénio, e por motivos e motivações totalmente diferentes, o ainda jovem escritor Joel Neto também um dia deixou a capital, e, instalando-se num lugar que é seu, escolheu o Lugar dos Dois Caminhos, freguesia da Terra Chã, ilha Terceira, para trabalhar a escrita e a terra, tarefas que vai cumprindo com igual empenho e rigor. Estamos na presença de um autor que vive para escrever e escreve para viver – rodeado de uma paisagem que se humaniza e na companhia de Catarina, sua amada, e de dois canídeos que são gente: Melville e Jasmim.
Com efeito, em A vida no campo, os anos da maturidade, vol. II, (Cultura Editora, 2019), está a impressão digital do seu autor: um apego à transitoriedade dos dias e um amor incondicional à terra. Terra que ele planta e dá vida, pois que conhece os seus segredos e significados interiores. E ao longo das quatro estações (que pontuam e dividem o livro em capítulos), ele monda e roça, trata do seu jardim, cuida do seu quintal, prepara o seu pomar e (re)ergue muros de pedra – sempre com a preciosa ajuda do Chico, do Fábio, do Francisco, do Primo, do sr. Francisco e outros amigos.
Na sua urbana ruralidade e com música de jazz em fundo, Joel Neto está atento às sementeiras, colhe os frutos da terra, assiste ao crescimento dos castanheiros, das laranjeiras, dos metrosíderos, das araucárias… E delicia-se com os cheiros e os aromas das rosas, das magnólias e das buganvílias, (d)escrevendo tudo isto por ser observador infatigável do real e escritor telúrico de agudíssima sensibilidade.
Um escritor telúrico e sensorial que lança olhares muito humanos às pessoas que o rodeiam e que já foram ou hão-de vir a ser personagens nos seus livros de ficção a haver. Tal como em A vida no campo (vol. I, 2016), estamos perante a mesma fluidez e frescura narrativas que despertam em nós o tal “plaisir du texte” de que falava Roland Barthes. (A propósito, é de antologia o texto sobre o tabaco, págs. 148 a 151).
Mas a vida no campo não é só sombra e recolhimento, deleite e aconchego. É também inquietação, reflexão profunda, evocação (de gente que entretanto vai falecendo, por exemplo), memórias, registo (íntimo e intimista) de ideias, pontos de vista, emoções, sentimentos, opiniões, interrogações e reacções relativamente a pessoas, coisas e acontecimentos, dentro e fora dos Açores.
Nas 220 páginas do livro, Joel Neto disseca a sua alma – como Vernet agarrado ao mastro do navio para estudar a tempestade…
Vivendo numa ilha, este escritor questiona ainda e sempre: como é possível caber tanto mundo em tão pouca geografia?
Victor Rui Dores