A Viola tem sido, ao longo dos últimos séculos, um dos maiores meios de expressão do povo português, motivo de reunião em longos e escuros serões, dona da festa, e, por vezes também, casamenteira.
Não havia festa sem viola!
Em todo o país os tocadores eram a cobiça das donzelas, solteiras ou casadas, com o seu tanger exímio e improvisar eloquente.
Ao serão todos aguardavam a chegada da viola, para que houvesse cantiga e bailarico. Mas o tempo nunca era gasto em vão… a espera pelo tocador gerava espreitadelas furtivas entre moças e pretendentes, por entre o olhar desconfiado de suas mães. O certo é que, quando chegada finalmente a hora de dançar, os pares já estavam definidos pelo olhar, muitas vezes contra a vontade das protectoras mães.
Com o decorrer dos anos a viola foi ganhando características típicas de cada região, fruto de algum isolamento, da imaginação dos construtores, materiais de construção existentes e também das exigências de diferenciação por parte dos tocadores.
Estas diferenças foram-se acentuando com o passar dos séculos, quer na construção, encordoamento, afinação e técnicas de execução de cada viola.
No entanto, em cada região, a viola manteve-se fiel à sua missão; animar o povo e fazer a festa. Acompanhadora íntima dos cantares, impulsionadora das danças e balhos, e soberba nos temas instrumentais, dignos apenas dos mais prodigiosos tocadores.
Assim chegamos à nossa Viola Açoriana: Viola da Terra, Viola de Arame ou Viola dos Dois Corações.
A sua simbologia é imensa, e conta a sua história secular e insular, deixando-nos enfeitiçados.
Os dois corações têm uma explicação, segundo os populares, que retrata a partida em emigração de muitas famílias, em busca de um futuro melhor. Um coração ficou atrás, e o outro partiu na expectativa de concretizar o seu sonho. Separados pela imensidão do mar, estes corações estarão para sempre ligados por um cordão, o cordão umbilical, que se une numa lágrima. A Lágrima da Saudade.
Este losango é muitas vezes interpretado, também, como o ás de oiros, uma vez que todos os que partiram procuraram a sua fortuna pessoal.
O cavalete da viola tem, a espreitar em cada extremidade, o açor, ou milhafre, que terá dado o nome ao nosso arquipélago. Abaixo deste aparece a representação da natureza, a maior riqueza comum às nove ilhas dos açores. Há ainda quem refira que este adorno representa o trigo, que era a alimentação base dos nossos avós e bisavós, e tantos antes deles. É uma forte ligação ao trabalho árduo, ao sacrifício e esforço do dia-a-dia, que era posto de parte nas noites de música e diversão, mas que estava sempre lá presente, no íntimo da concepção da viola.
As violas da terra começaram a ter o seu espelho, na zona entre as cravelhas (afinadores). Diz o povo que era para os tocadores poderem fazer a barba quando se deslocavam das suas freguesias, para ir tocar. O respeito pela viola era elevado a um patamar religioso, e, para tocá-la, o músico deveria estar bonito e apresentável. Para além de, assim, poder também espalhar um pouco do seu charme e desassossegar as donzelas.
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