Açor,
ou a guitarra bem temperada de Victor Castro
Guitarrista, arranjador e compositor, Victor Castro saiu um dia dos Açores, mas os Açores não saíram dele. Vivendo longe, falta-lhe a cadência e o embalo das ondas, isto é, sente a saudade e a nostalgia das ilhas. E, por isso mesmo, arranca da sua guitarra ternas e cálidas sonoridades, enaltecendo a qualidade dos 17 temas que seleccionou para este trabalho discográfico e para os quais fez outros tantos arranjos (inéditos) para guitarra solo, reproduzindo os efeitos melódicos originais, mas dando-lhes renovadas sonoridades entre o popular e o erudito.
Açor constitui-se, antes de mais, como uma homenagem a alguns dos compositores mais emblemáticos dos Açores: Antero Ávila, Aníbal Raposo, Carlos Baptista Ávila, Luís Alberto Bettencourt, Luís Gil Bettencourt e José Medeiros. Apresentando três temas da sua autoria, e revisitando dois temas do cancioneiro açoriano, Victor Castro agarra – e bem – o carácter lírico e poético de algumas das canções que povoam a nossa memória colectiva como traços de fundo da nossa identidade insular. E só pode haver nisto um acto de partilha, generosidade, fraternidade e, porque não dizê-lo, de amor por parte deste músico terceirense.
Victor Castro é virtuosismo expressivo e mestria técnica, estando bem patente o domínio da guitarra traduzido numa agilidade que lhe permite executar, com absoluta segurança, acordes e arpejos de uma extrema elegância; linhas melódicas e uma construção harmónica que revelam competência musical; belíssimos contracantos; baixos bem marcados; marcações rítmicas incisivas; dedilhados plangentes; apetecíveis variações e contrapontos.
Tudo, nestas revisitações musicais, atinge a perfeição numa requintada (e aparente) simplicidade. Mas que não restem dúvidas: a reconhecida competência e a técnica brilhante deste músico (para quem a guitarra é o prolongamento do seu corpo) está ancorada em sólidas bases teóricas e numa prática musical contínua e continuada, com muita escola e muita pesquisa, e tudo isto assentando numa disciplina de trabalho rigorosa, com longas horas de estudo do instrumento. Poucos saberão, mas a verdade é que estamos na presença de um dos mais dotados, inspirados e talentosos guitarristas do nosso país.
Saúde-se, por conseguinte, este Açor, o terceiro trabalho discográfico deste compositor, que vive uma fase de clara maturidade musical na qual convergem a experiência, o bom gosto e a mais apurada sensibilidade. Um disco pioneiro e sem precedentes entre nós. Um disco consistente e de altíssima qualidade. O que nele escutamos deixa de ser a canção conhecida ou o tema tradicional, e passa a constituir música autêntica e profunda, toada intemporal e universal. É, enfim, um disco que espelha a alma açoriana. Da ilha para o mundo. Com as cordas da guitarra de Victor Castro a vibrar serenamente dentro de nós.
Victor Rui Dores
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Professor, dramaturgo, escritor e poeta.
Natural da Graciosa,mas vive no Faial de onde se faz ouir muito bem.