« Adeus a Zury Machado »
Ao arrumar algumas gavetas encontrei lembranças guardadas de um tempo distante: álbuns de fotografias e muitos recortes da coluna social de Zury Machado, do jornal «O Estado», registrando os aniversários da família, os quinze anos das filhas, o debut da Clarisse no tradicional Baile Branco do Clube Doze de Agosto. Aos poucos, fui recorrendo a uma Florianópolis que, embora envolvida no manto do passado, sempre será presente na nossa memória dos afetos. Recordações de uma época que faz parte da alma da Ilha, da nossa história de vida retratada naquelas notas, onde dançavam palavras esculpidas com suave elegância, dignas de um esteta. Um fio de saudade apertou meu coração tecendo o tempo atemporal neste vaivém por arquivos de ontem.
Este preâmbulo nostálgico vem a propósito do seu falecimento, aos 91 anos, na linda e ensolarada manhã de 21 de agosto, no Imperial Hospital de Caridade onde estava internado desde terça-feira,19.
Zury Machado, nasceu a 7 de setembro de 1922, data em que o País inteiro comemorava o centenário da Independência do Brasil. Ilhéu-adotivo, natural de Tijucas, cidade que guarda, no traçado bonito de seus casarões, os sinais de uma vida social elegante passada às margens do rio Tijucas. Aos 14 anos mudou-se com sua família para Florianópolis. Seus laços familiares se estenderam por Tubarão, no Sul do estado.
Poderia continuar passeando por sua biografia citando a formação escolar em Tijucas, a devoção ao Senhor dos Passos, a atuação voluntária no Imperial Hospital de Caridade, a trajetória profissional, os muitos anos de chefe do Cerimonial da Assembleia Legislativa, ou arrolando as inúmeras homenagens como o título de cidadão honorário de Florianópolis e a grande homenagem dos seus amigos no aniversário de 90 anos celebrado no Instituto Carl Hoepcke
Assim, limitar-me-ei, a reverenciar a importância sociológica da crônica social de Zury Machado, na maravilhosa arquitetura da memória urbana de Florianópolis. Uma pena singular que, por sessenta anos, transcendendo o espaço regional, divulgou o estado de Santa Catarina por todo Brasil.
As primeiras colunas apareceram no jornal “A Gazeta”, entre 1946 e 1950, coincidindo com a consagração da crônica social nos principais jornais do País e da construção mitológica do grand monde ou do abrasileirado “café-soçaite”. Eram os Anos Dourados. Transfere-se para o jornal “O Estado”, assinando sua coluna até agosto de 2006 quando repousou a pena elegante, enquanto Florianópolis assumia a fama de cidade multicultural, emoldurada pela auto-estima de sua gente e cobiçada pelos brasileiros apaixonados pela beleza e faceirice de Ilha-capital.
A escrita de Zury Machado faz parte da memória mítica da nossa cidade. Seu significativo percurso está marcado em infindáveis reportagens e crônicas publicadas e lida por muitas gerações de florianopolitanos que não esquecem seu estilo inigualável, leve, educado, hábil, a seu jeito.
Suas crônicas não se resumem ao registro puro e simples do cotidiano. É muito mais. Sente o pulsar de tudo e de todos. Respira o lugar. Aconchega realidades e sonhos. Partilha sentimentos. Recorda o ontem, os costumes, documenta e noticia vida.
Por tudo isso, Zury Machado será para sempre uma inquestionável referência na Memória Cultural de Florianópolis.
Lélia Pereira da Silva Nunes, escritora, da Academia Catarinense de Letras,Cadeira 26.