BAIRRO DAS ANGÚSTIAS
Feito da madeira de navios velhos
Embalado ao som dos rumores do mar
E ao apito triste dos cargueiros;
Vossa infância de meninos sujos e livres
Correndo entre os vagões da doca
Sonhando lutas nos armazéns do porto;
Vossa adolescência transportando fardos e odores
De climas, de bordo dos navios,
Crescendo aventureira
À sombra de mastros e ganhoas;
Vossa maturidade desiludida e sonolenta
Atravessando o relento brumoso das noites,
Fixa nas correntes das baleeiras
Como as algas e lapas dos recifes;
Vossa velhice visitando aos domingos
A Senhora do coração atravessado,
Como as tardes das ruas desertas
Pelo baço calor do sol exausto;
Bairro das Angústias ¬―
Superpopulado, trabalhador e pobre !
Adriano de Faria,
Antigamente,
Horta, edição do autor, 1954.