Alegria que CALA e o Silêncio que GRITA
Este ano não vai ter Carnaval? A pergunta fica no ar como uma nota desafinada. Como se fosse possível calar a alegria. Não vai, não vai…Não vaiiii? Senti um tum tum tum no meu incrédulo coração folião, como se o som da cuíca repetisse a pergunta insólita.
Fevereiro é o mês do Carnaval. Já chega fantasiado de folia.Tem cara do entrudo, dos bailes, dos blocos, dos carros alegóricos e do desfile das Escolas de Samba Carnaval é o samba gingado que desce do morro no corpo da morena trazendo para a cidade o samba no pé, o samba rasgado ao som do tamborim. Não deixa o samba morrer, não deixa o samba acabar. O morro foi feito de samba. De samba pra gente sambar… recomenda Edson Conceição,o baiano compositor do Hino do Samba – Não deixe o samba morrer.
Um mar de corpos em movimentos ritmados ganham a avenida. Magia. Corpo vira orquestra. É surdo, é tamborim, é pandeiro. É Carnaval. “ A felicidade do pobre parece a grande ilusão do carnaval/ gente trabalha o ano inteiro/por um momento de sonho/Pra fazer a fantasia/ de rei ou de pirata ou jardineira/Pra tudo se acabar na quarta-feira” cantam o poeta Vinícius de Moraes e Tom Jobim em A Felicidade. Na real, o povo exorciza os seus fantasmas, lava alma, veste sua fantasia e, entre confetes e serpetinas coloridas, liberta a alegria para além das cinzas.
Do norte ao sul, O País cai no samba, desde a simplicidade do Maracatu rural lá em Arassoiaba, interior de Pernambuco à apoteose das grandes Escolas de Samba desfilando no sambódromo da Marquês de Sapucaí – a maior vitrine do Carnaval do Rio de Janeiro e do Brasil.
Não tem como frear a maior manifestação da cultura popular e impedir o brasileiro de cair na folia, de seguir sua escola, de se perder no bloco do prazer.
No entanto, é possível calar a alegria…
É o que acontece em Florianópolis neste fevereiro de 2013. A falta do apoio acordado em convênio assinado entre a Prefeitura Municipal de Florianópolis e as Escolas de Samba para o Carnaval inviabilizaram a realização do tradicional desfile na Passarela Nêgo Quirido. Assim, neste ano,não vou aplaudir a bateria nota 10 da minha “Protegidos da Princesa” e nem cantarei o samba enredo «O Divino Zumblick» Sou imperador-menino num cortejo divinal/ E o povo como se fosse uma aquarela/Desce o morro e faz da passarela/A obra viva de um artista genial, homenagem ao pintor Willy Zumblick, no ano do seu centenário.
Silenciaram a cuíca, o tamborim, e o pandeiro…A inépcia administrativa, o descaso e a má gestão pública calaram a alegria na Ilha de Santa Catarina. Esta mesmo inépcia gera o estado de insegurança que, nos últimos dias, atravessa o Estado de Santa Catarina com 85 atentados à bomba em 25 cidades.
Este sentimento de impotência nos remete a terrível tragédia que nocauteou o coração do Rio Grande do Sul. Pois, é o mesmo poder público inépto, negligente, incompetente, irresponsável e corrupto quem tirou a vida de 238 jovens na madrugada do último dia 27 de janeiro,na cidade gaúcha de Santa Maria.
Santa Maria da Boca do Monte, a cidade cultura, território da juventude por abrigar uma das mais importantes universidades públicas do Brasil foi povoada por portugueses no final do século XVIII, no fortalecimento da política do utis possidetis, na demarcação dos limites, do território disputado por Portugal e Espanha.
Foi aí, no seio do Rio Grande do Sul, que há exatos dez dias, pereceram 238 jovens vítimas de um aterrador incêndio numa boate. Uma verdadeira sangria de sonhos, de projetos diluídos na fumaça negra que cobriu de luto Santa Maria e fez chorar um Brasil estarrecido diante de uma tragédia inaceitável. No balanço, o retrato de uma nação rica que se revela assombrada pela perda irreparável de tantos jovens, ceifados na juventude dos verdes anos, abortados no percurso de seus amanhãs.
Não se pode mais capitular a alegria ou ter a incensatez de lavar as mãos, tal qual Pilatos. Pois,as cenas que assistimos atônitos no amanhecer do domingo 27 e que ecoaram pelo mundo afora, não é algo que chega como a mudança das estações do ano. Não podemos esquecer e muito menos dar tempo ao tempo. Basta de aceitar o “tudo bem” que não está bem. Vamos ser solidários e, também, Voz forte a clamar por justiça, enterrando a impunidade como foram enterrados o futuro na longa noite que desceu sobre o Rio Grande do Sul, a região Sul e o Brasil.
A natureza insubmissa do povo gaúcho se revelou nos jovens que com coragem correram a salvar o outro, no ímpeto da juventude, sem prestar atenção na fumaça criminosa que o incendiava por dentro. Na imagem da mãe que, no limite dramático e profundo da dor pela perda de dois filhos, ergue valente sua voz e sem tremer grita por justiça como a Ana Terra, personagem da trilogia O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo, símbolo da resistência da mulher gaúcha.
Quebraram as conexões com as redes sociais, encerraram os torpedos frenéticos, emudeceram os celulares que tocaram sem cessar madrugada a dentro, feneceu a risada sonora e cristalina da alegria.
Restou o indizível: o Silêncio que GRITA.
Lélia Pereira da Silva Nunes
Fevereiro de 2013
______________________________________________
Nota: Foto Passarela Nêgo Quirido – Ag.RBS:Diário Catarinense
O texto acima é uma versão reduzida do artigo “Alegria que cala e o Silêncio que grita” publicado originalmente no Açoriano Oriental e no Portuguese Times.