NOITINHA
O sol cerrou a porta!
De pouco a pouco o silêncio cobre
Aldeia e campos. Deus, como sempre
Acende os astros, grandes e pequenos,
E padeja carvão para acender a lua.
Com seu bordão de cedro Ti Corvelo sai
Com passos certos sobre as pedras lisas,
Que o vão levar ao templo
Para tocar o sino e chamar o povo
Em oração nocturna
Ao pastor santo que nos vê e guia.
Um vapor branco
Com bandeiras de mastro a mastro
Desliza-se no mar, perto da praia,
De rumo contra as nuvens espalhadas
Em baixo, lá, sobre a linha do pego.
Sobre uma parede
Balanceando as pernas, um rapaz toca
Uma gaita americana.
Um grilo, curioso, começa e pára
A toada do costume
Com que saúda a chegada da noite.
E o cheiro da comida!…
Bonito assado ou bolos no forno
E um caldo de agrião,
Soletram ceia para a gente
Nos sentarmos à mesa da cozinha.
Mais tarde, sob uma colcha tecida na terra
E um lençol crespo de linho
Iremos escutar passos lá fora
Da gente de outro mundo
Perdido, a chorar, na solidão das horas,
Até que o sono bata à porta e entre.
Los Banos, Cal. 8-III-73
Alfred Lewis,
Aguarelas Florentinas e outras poesias,
Angra do Heroísmo, Serviços de Emigração, 1986.
Alfredo Luís (1902-1977), conhecido por Alfred Lewis, romancista, dramaturgo, poeta, natural da freguesia de Fajãzinha, ilha das Flores, trabalhou e residiu na Califórnia, EUA, nomeadamente em S. Francisco e diversas cidades do Vale de São Joaquim, tendo falecido em Los Banos.
Foto de UMass Dartmouth