ALMA AÇÓRICA (25) Ainda me lembro do tempo em que havia navios e não havia grandes portos (com excepção para Ponta Delgada e Horta), e depois de 1976 passou a haver portos, mas, desapareceram os iates “Terra Alta, Santo Amaro e Espírito Santo” (este último naufragado à saída da baía das Velas), para além do Cedros, do Lima, do Ponta Delgada, do Carvalho Araújo, do Funchal…mais recentemente, voltaram as ligações marítimas entre os grupos ocidental, central e ocidental e agora o turismo de cruzeiros… a dureza do mar e a coragem dos açorianos, quando não havia grandes portos, era posta à prova quer no transbordo de carga, para grandes batelões puxados por barcos a motor ou, no transbordo de passageiros, o que era uma “aventura de equilíbrio”, feito da escada de madeira colocada do lado dos navios para lanchas a motor…estas com bancos longitudinais faziam um vaivém entre o pequeno porto e o navio… na chegada ao cais um marinheiro usava o “croque” para puxar e afastar a lancha… o croque (do inglês crook) não era uma “graveta ou bucheiro” (fateixa “lá fora”)… era a segurança que como se graceja no Pico fazia “atracar o cais ao bote”…
ALMA AÇÓRICA (26) Os (as) açorianos (as) e, neste caso, as nossas comunidades piscatórias sempre “aportuguesaram” vocábulos sobretudo do “inglês americano”, pela influência da emigração e da época da baleação, bastante mais tarde, do contacto com os “aventureiros” (expressão que usávamos no grupo central) conhecidos por iatistas…não era preciso por a “chata” (pequeno barco) ao mar e tapar-lhe a “jaja” (pequeno buraco no fundo da embarcação que se tapava com uma rolha) para ver o entusiasmo com a pesca de não pescadores…lembro-me de ver no verão, homens, mulheres e crianças , indistintamente da sua classe social, que no cais das ilhas gostavam pescar carapau [Trachurus trachurus (L.)], dizendo, pela facilidade com que todos o apanhavam, que o peixe estava “tonto”… nessa altura, todos rejeitavam o peixe -porco (Balistes carolinensis Gmelin) (hoje de bife apreciado…) porque ele tinha má fama, mordia os banhistas que faziam “água branca”…outra espécie, a boga [Boops boops (L.)] sendo mais “escorregadia” e, cujo isco de batata cozida, dava mais trabalho, não “caía” tanto nos baldes…diálogos curiosos entre os que diziam ter apanhado muito peixe e os que replicavam grande “boga” (=mentira) (hoje com significado ligado ao mundo dos estupefacientes)…a nossa identidade e cultura impregna assim a nossa linguagem, talvez por isso Foucault disse que “as palavras receberam a tarefa e o poder de representar o pensamento”, mesmo nesta história de mar…
ALMA AÇÓRICA (27) Já aqui relembrei alguns diálogos de açorianos que procuraram registar a tradição oral, termos, expressões, temas e “remas” que são pouco conhecidos, mas que denotam a sageza das nossas gentes… do polícia Abel muitas histórias se contam… “um dia estava ele a apanhar lapas em período não autorizado, aparecendo um guarda-fiscal, o sr Abel pegou num caniço e à pergunta do guarda-fiscal se a pesca corria bem, logo respondeu que “mais ou menos”…então, o guarda-fiscal perguntou se podia ver o cesto que ele tinha ali tapado…depois de ter anuído, o guarda-fiscal destapou o cesto e disse: “mas isto são lapas”. Respondeu o sr Abel: “oh…milagre das rosas”… Parece que a maresia inspira e quando perguntam a qualquer açoriano que visita a América se não se perderam, a resposta quase sempre é : “vou ao mar muitas vezes e ele é maior e nunca me perdi”…
ALMA AÇÓRICA (28) Quem lê estes “postes” percebe o meu fascínio pelo mar (sobretudo dos Açores) e pelo apego a esta Região “plantada” no meio do Atlântico, muito para além dos “cargos” ou da formação académica…sei que neste “sentir” sou idêntico a muitos mais, dentro e fora dos Açores… hoje, mais uma vez reforcei esta identidade material e imaterial quando entrei na água do mar e ao sair algúem me disse: ” já viu, aqui é melhor que nas Caraíbas”… de facto, com Sol,com a água do mar a 17 graus (em Fevereiro), em contraste com a vaga de frio na Europa e com temperaturas muito baixas ou mesmo negativas no Continente, ninguém pode acreditar nos boletins metereológicos das televisões nacionais que dão os Açores, quase sempre com chuva ou céu nublado…como já ouvi de um velho, letrado e sábio pescador “o mar é imenso e o universo é infinito mas limitado”…
ALMA AÇÓRICA (29) Este ano de 2012, já foi anunciado que o Parlamento Europeu centrará a sua atenção nas negociações destinadas a reforçar a união económica e a ultrapassar a crise financeira, de onde resultarão prioridades relacionadas com as agências de notação de crédito, as euro-obrigações e o imposto sobre transacções financeiras. Depois, virão dossiers “recorrentes” na área dos transportes (melhoria da segurança rodoviária e do transporte aéreo, novas regras sobre os dados dos passageiros aéreos) e, os temas “emergentes” como eficiência energética, segurança no fornecimento de energia até à resolução de questões relacionadas com sucessões e propriedades transfronteiras. Entre nós, sem querer ser prosaico, a nossa agricultura volta a merecer destaque…o regresso à terra não significa agora uso esforçado de todas as antigas alfaias – escrepa, foicinha, foice, foice da América, arado, carro de bois, canga, taboeiro, corrente, cola, seve, fogueiros, grade, claveira, cesto de vimes, alvião, atarradeira, machado, pá, arbarbadeira, etc., – nem a agricultura de subsistência…contudo, é bom que nos lembremos que resistimos e persistimos, há mais de 580 anos no meio do Mar, em tempos muito mais díficeis, ou seja, tanto sabemos que “fogueirinhas podem dar incêndios”, como nunca tivemos medo do “fogo de palha”…
Foto de arquivo pessoal: antigo cais/porto da Vila das Velas, S. Jorge.