A mulher de 17
o que faz a mulher de dezassete
numa vila
de costas viradas ao mar
onde à noite a chuva cai
senão de manhãzinha aferir essa película
como uma fotografia
não revelada
da sua vida
a humidade nocturna
da vila virada
de costas pró mar
vai secando os cabelos da mulher de dezassete
e a pele que ela sente
lentamente ressequida
lentamente, ao ritmo do dia
dos habitantes da vila
que se ilumina
como a ampla saia da mulher
pormenor extraído
do retrato dessa vila
os habitantes
levam os rostos molhados
e a correspondência cola-se-lhes
às mãos que falam mais
do que a escrita apurada
daqueles que em férias
escutam nos búzios
a fórmula absoluta
dos que não sabem ler
a mulher de dezassete
lê nas entrelinhas
mas não é cega a rapariga de dezassete
gosta de descobrir as coisas
plo cheiro e plo tacto
que é a melhor forma
de as libertar
de as percorrer
assim como os animais embalsamados
com as pelúcias finas
Ana Paula Inácio
in As vinhas de meu pai,
Vila nova de Famalicão, Quasi Edição, 2000.