Minha alma é de criança:
Corre, brinca, esvoaça,
Passa e repassa,
Não cansa…
Minha alma vive em graça,
Minha alma é de criança.
Ela aí vai de galgada,
Estrada fora,
Empoeirada
E encalmada:
Nada a demora.
Lá vai ela… atravessa…
Um socalco: tropeça.
Salta a sebe enfim — nada a detém!
Desaparece…
Mas, logo, surge além,
Por entre a messe.
Flutua nos trigais
Loirejantes,
Ondulantes,
Baloiçantes…
Galga muros, portais,
E irrompe nas devesas, murmurantes
De folhas secas, crepitantes.
Olha! Vê como corre desvairada!
E, sempre asinha,
Lá vai, doidinha,
Embriagada,
Trepando aos arvoredos,
Devassando os segredos
Dos ninhos, nos olmedos,
A tresloucada!
Minha alma é de criança:
Corre, brinca e não cansa…
Ângelo Ribeiro,
Sonata de evocação,
Lisboa, Liv. Ferin, 1920