História inspira produção cultural
Celso MARTINS
Das quadrinhas do século 19 à avenida Marquês de Sapucaí(1999), história de Anita Garibaldi estimula a criatividade de nomes das artes plásticas, cinema, literatura e música
A produção cultural envolvendo o nome de Anita Garibaldi é farta e diversificada, abrangendo as letras, as artes plásticas, o cinema, o teatro e a música. As primeiras manifestações são as singelas quadrinhas, ainda do século passado, como as localizadas por Saul Ulysséa e publicadas em Coisas Velhas.
Lá vem a garça voando/ Com as penas que Deus lhe deu/ Contando penas por penas/ Mais penas padeço eu, diz um.
O outro responde:
Os teus olhos têm meninas/ Essas meninas têm olhos/ Os olhos dessas meninas/ São meninas dos meus olhos.
Outras quadrinhas se tornaram mais populares ainda. Anita Garibaldi/ Foi à missa sem balão/ Assim que o amigo soube/ Quase morreu de paixão.
No começo deste século o célebre Gabriele D’Annunzio escreveu La Canzone di Garibaldi (Treves, Milão, 1907), cantando a heroína Anita no momento da retirada de Roma em 1849. Ainda em 1907 Giovanni Marradi aparece com seu Rapsodie Garibaldine (Barbera, Florença), onde cantou: As brasileiras/ florestas e as praias que o oceano lava/ viram passar entre raios a fulva/ cabeça do caudilho/ enquanto a seu flanco galopava Anita, com o coração de Bradamante e Fiordiligi./ Cenaura incansável e audaz/ envolvida de relâmpagos em meio à tempestade,/ corria, esporeando, o Pampa infinito.
_________________________________________
Retrato de Anita
Maura de Senna Pereira
É filha de rei
esta que vamos celebrar?
Vestiu-se de ouro e prata
teve pérolas nos dedos
colar de água-marinha
axorcas e tiaras
teve manto de rainha?
Não é filha de rei
nem mulher de grão-senhor.
Não cintilou de pedrarias
e não nasceram em castelo
os frutos do seu amor.
É uma filha do povo
e mulher de espadachim.
Usou vestido singelo
e cinto de couro cru.
Escandalizou o seu burgo:
fugiu com um louro guerreiro
os pés morenos afoitos
no peito uma rosa brava.
Não teve filho em castelo
mas foi mãe de generais.
Não teve reis a seus pés
mas tem o culto dos povos.
É a Heroína de Dois Mundos
que vamos celebrar.
Lutou no convés dos navios
pela República Juliana.
Lutou de espada na mão
pela unidade italiana.
Passou fome passou frio
dormiu noites ao relento.
Na própria terra natal
caiu um dia prisioneira
e julgou morto seu amado.
Ah, figura de tragédia:
face bela transtornada
um archote na mão pálida
espiando rostos mortos.
Mas o amado não achou
esperança renasceu
toda épica fugiu
sobre o dorso de um cavalo
cabelos soltos ao vento.
Vinte léguas até Lages
a heroína percorreu.
(Ao vê-la surgir da noite
galopando em seu corcel
os guardas fogem de espanto:
Era centauro? aparição?)
O coração ardente batia
sob a lua fria da serra
e com o primeiro filho no ventre
moça guerreira corria
para seu amor encontrar.
É a Musa da Liberdade
que vamos celebrar.
Eis então que o seu rosto
não mais o vemos contido em nenhum quadro
e sim transfigurado, repartido pelo universo.
Os cabelos parecendo faíscas
presos ao solo europeu.
O queixo fincado na barra da Laguna.
Profundos olhos, rasgados mundos
brilhando como estrelas
pousados sobre os povos.
Oh, e os lábios se abrirem como outrora
para invectivar
aquele que oprime o seu semelhante
e aquele que se esconde na hora de lutar.
É Anita Garibaldi
que vamos celebrar.
(Declamado pela autora por ocasião da inauguração do monumento
de Anita Garibaldi, na cidade de Laguna, a 20 de setembro de 1964).