Poema recitado por Olegário Paz
Ivo Machado
Poemas Fora de Casa
Sabes, mantemos o hábito de armar um cedro de natal,
Acontecendo o ritual numa data rígida – o dia
do aniversário do teu neto maior. Porém, é diferente,
sim, também o cedro em si, mas a diferença reside
na distância das tuas mãos ocupadas a cuidar da ilha
Sabes, são outros os adereços e colocando-os sobre a epiderme
da árvore falta o teu afecto, teu olhar, não sabemos vestir o cedro,
esquecidos os versos com que enfeitavas na ausência de lâmpadas
pois ao tempo não havia electricidade
Por isso contavas que o algodão era neve, como
se tivesse de nevar em todas as árvores de natal do planeta
No nosso cedro não neva nem rima, como nevava e rimava
ao tempo em que colocavas postais dos primos emigrados
por tanto mundo. Nos pensávamos:
arquitecta um colorido invejável
Quando agora em casa se ergue o cedro não encontramos postais
iguais àqueles que, com olhos aguados, recebias. Mãe
imagina a minha árvore carregada com e-mails e em vez
de um pai natal sóbrio, uma mãe natal como aquela que chegou
no último ano, via Internet, despindo-se
ao ritmo de uma guitarra eléctrica, ainda renas manhosas
rindo das obscenidades dos versos em redor de uma manjedoira
concebida por um webdesigner
Que diriam as vizinhas mortas, as vizinhas vivas sempre prontas
para um funeral anunciado? Que diriam os amigos?
Talvez, espantosa homenagem aos cibernautas, quando
que desejo é mostrar ao mundo, o teu mundo, mostrar
esse teu inefável jeito de amar dizendo das coisas
que usavas, dos nomes que ainda concedes ao afecto, o pão
sobre a nossa mesa com as dimensões do firmamento,
as mãos quais figos colhidos ao morrer das tardes
no quintal do nosso aconchego
Mãe, no essencial, o modo de manifestar
como na inexistência da imaculada neve, inventaste nevar
nas antiquíssimas criptomérias dos dezembros insulares.
Ivo Machado (1958), poeta, natural da ilha Terceira, vive no Porto.
NOTA
Foto 1: Criptomérias; por Hélder Blayer Góis ©
Foto 2: December ’96, S. Miguel-Azores; by Ken Smith ©