[Abeirou-se da água e do fundo]
Abeirou-se da água e do fundo
do tanque regressaram os seus barcos de criança.
Naqueles corpos de papel onde o vento
batia de novo ainda se podia ler
o peso dos recados que nenhum coração
antes da idade consegue transportar.
O lodo escurecera o fundo e a luz
do dia punha à superfície o espelho
daqueles lugares onde uma pedra
de sombra voltava a cair.
[Deitei o teu nome na superfície]
Deitei o teu nome na superfície
das águas. Na película dos sonhos
um risco impede que continue, pede
que te esqueça, repetidas vezes.
Quem te suportaria tão leve assim
senão as águas, as palavras paradas
de fundo verde e lodoso?
Pouco se sabe da dispersão, pouco se sabe
da realidade do outono, das cores
que trazem as folhas à superfície das águas
e falam de si e dos caminhos.
Estacas que se levantam à passagem.
António Sérgio Silva,
Adormecer, Angra do Heroísmo, Edição do Autor, 1991.