Ao Daniel de Sá – na sua grande sesta
Onésimo Teotónio Almeida
O breve texto abaixo é basicamente o e-mail enviado para o World Azorean, o Café dos Açorianos no Mundo, uma rede de amizade que une um vasto número de açorianos da diáspora. Do Açoriano Oriental, a jornalista Paula Gouveia pediu-me um depoimento sobre o escritor Daniel de Sá poucas horas após a sua morte e simplesmente reencaminhei para ela o e-mail que eu partilhara na rede do WA. Fui depois informado que, dada a sua extensão, ela apenas tinha podido retirar uma curta passagem e pedia-me licença para o publicar na íntegra na secção de Opinião. Acedi, evidentemente, mas quis apenas fazer-lhe uma leitura a retocar alguns pormenores, já que nem o relera antes de o enviar para a rede. Aqui vai, pois, esse e-mail, quase tal como saiu momentos depois do recebimento da triste notícia do falecimento de um grande amigo, o Daniel de Sá.
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Recebi a notícia aqui no comboio, vindo do Porto. Telefonou-me o Urbano, pois sabia-me em viagem. Profundamente tocado, telefonei logo ao Eduíno a entristecer-me com ele. Deixei mensagem. O que se seguiu foi uma chuva de telefonemas, toda a gente de todos os cantos do globo a dar-se pêsames uns aos outros como se fôssemos uma família muito chegada e que tivéssemos perdido um ente bem de dentro dela. Já perdi a conta desses telefonemas que me foram chegando enquanto o Alfa avançava para Lisboa. Foi do João de Melo (em Lisboa), do Artur Goulart (de Évora), o Vamberto (de Ponta Delgada), da minha Leonor (de Providence, que tinha recebido um telefonema do João Luís Pacheco, lá de Rhode Island, recém-chegado de S. Miguel), da Ana Loura (de Santa Maria e em choro convulsivo), da Maria João Ruivo (de Ponta Delgada), do Marcolino Candeias (de Angra), da Lélia Nunes (de Florianópolis, no Brasil) e de tantos outros numa lamentação da grande ausência que nos acaba de acontecer. Agora, enquanto escrevo este e-mail, e já depois de ler as mensagens de vários no World Azorean, o Café dos Açorianos no Mundo, particularmente a do Francisco Fagundes, que nos últimos anos descobriu o Daniel e o Daniel a ele, para grande alegria mútua, não posso, no meio desta tristeza, esconder a doçura da amizade que, mesmo no meio de diferenças, ao longo dos anos todos fomos criando. O Daniel é um irmão desta família. Todos o respeitávamos imenso e continuaremos a respeitar a sua memória e a sua obra. Todos o reconhecíamos – eu, desde bem cedo, a meados da década de sessenta – como homem de fortes convicções, íntegro e isento, profundamente honesto, leal, crente de pensar por si, estudioso e amante profundo dos factos, implacável com fanatismos por via de ser senhor de um espírito crítico que o ajudava a discernir desvarios, crendices e pieguices de factos e realidades. Para além de tudo o mais, era também um escritor onde punha tudo aquilo em que acreditava com a finura de linguagem que ele cultivava com esmero, devoção e brilho.
Eu perdi um irmão (a mim, ele referia-se frequentemente como “o irmão que não tive”). Nós todos perdemos um amigo. Quem só o conhecia dos livros perdeu um escritor. Os Açores perderam uma voz. Que vai fazer muita, muita falta. Sobretudo quando ela, nas nossas contas humanas, ainda deveria intervir por muitos, muitos mais anos.
Já liguei para o número lá de casa, que para sempre guardarei de cor. Não falei com ele porque está em sesta. Só que, desta vez, a Maria Alice não me pedirá para ligar mais tarde. Está numa sesta eterna. Como a minha saudade.
Adeus, Daniel!