As palestras sobre os Açores sucederam-se por todo o mundo, junto de autoridades, em comunidades nacionais portuguesas emigradas, com o movimento escutista por destinatário, e, sobretudo, nas escolas, onde Genuíno Madruga ia entrando quase sem convite, sempre que a ocasião se proporcionava.
Aí se afirma outra das especiais características do relato que agora nos é presenteado: a realização do encontro de culturas no qual Portugal tem tradição antiga, de seis séculos, com resultados conhecidos, e com respeito – regra geral – pelas realidades locais e costumes nativos… Ficamos a conhecer, mais e melhor, o mundo que descobrimos no passado, que é cada vez mais globalizado, mas que conserva ainda vincadas diferenças civilizacionais, etnográficas, antropológicas, religiosas, linguísticas, políticas, sociais e económicas.
Apesar disso, Genuíno deixa-nos a ideia de que um sorriso, um abraço, um aceno ou um gesto de auxílio são iguais, aqui e acolá, a Norte e a Sul do Equador, a oriente e a ocidente do Meridiano Zero!
Como parece ser igual a simpatia dos pescadores – irmãos de profissão de Genuíno Madruga – que o navegador fez questão de ir contactando ao longo de toda(s) a(s) sua(s) viagem(ns), até para conviver com as técnicas de pesca que, naturalmente, são muitos diferenciadas de lugar para lugar, de terra para terra, de país para país, de latitude para latitude. Mas tal contacto teve também outro objectivo, vincado: dar a conhecer que um companheiro de profissão não está – nunca esteve, nem estará – limitado, apenas, pelo mar que conhece ou pelas águas em que habitualmente navega e ganha o pão. O limite de qualquer pescador e de qualquer homem do mar, em geral, é o limite dos seus sonhos, que bem podem ser ilimitados, como o autor deste livro demonstrou, no caso até por duas vezes.
Das viagens de circum-navegação de Genuíno Madruga extrai-se, assim, a conclusão que os grandes feitos estão ao alcance de qualquer um de nós, seja pescador, agricultor, comerciante, médico, advogado, arquitecto ou engenheiro… Basta (o que poucos conseguem) que se definam objectivos, se empregue toda a energia em preparar o caminho na sua direcção e se trace a rota para alcançá-los/realizá-los, com sacrifício e, sobretudo, trabalho!
Genuíno Madruga desde cedo trabalhou a sua paixão pelo mar, a ponto de adormecer nas aulas, tal o cansaço acumulado, pelas pescarias das noites… Os seus progenitores perceberam a tendência do filho ainda criança, que agora nos relata: “Pelo Natal tive como prenda uma plaina pequena em ferro, um serrote para madeira e um martelo. Certamente meus Pais souberam bem o que me ofereceram. Quando vi nas mãos aquelas ferramentas, que eram minhas, fiquei radiante. Imaginei e fiz muitas coisas, entre elas o meu barco”. E acrescenta: “No Liceu (…) sonhava com o dia em que iria com o meu barco para o mar. (…) Levei um mês a construí-lo. (…) Minha Mãe deu-me um lençol velho. Com ele fiz uma vela. (…) Só mais tarde aprendi a nadar!”
Depois, já Genuíno Madruga pensava em outras façanhas, espicaçado pelos “aventureiros” de passagem pela ilha do Faial e pelo Café Sport. Diz-nos, neste livro: “Marcel Bardiaux, que por três vezes aportou à Horta, foi aquele que conheci e mais me marcou. Em 1975, aquando da segunda passagem pela Horta, com o seu «Inox», poucas foram as conversas que consegui com este navegador e aventureiro de todos os mares. Espírito reservado e de poucas palavras. Pelo contrário, em 1998, na sua terceira e derradeira escala na Horta, onde completou 88 anos, navegando só no seu «Inox», tive a oportunidade de inúmeras conversas, bem como de receber das suas mãos os livros que escreveu e que comportam informação privilegiada das suas viagens pelo mundo e dos inúmeros locais por onde aportou. Muita desta informação foi fundamental para o êxito das minhas duas viagens à volta do mundo, principalmente a passagem do Cabo Horn”.
Noutra passagem deste livro Genuíno reconhece: “Muitos andam no mar por necessidade, porque não conseguem em outras actividades tirar o necessário provimento, pelas mais diversas razões. Poucos o fazem, tal como eu, por amor ao mar”.
Da comparação de uma para outra viagem de Genuíno Madruga (de 2002 para 2009, se atendermos às datas de chegada) outra ideia evidente se fixa daquilo que Genuíno nos conta: o mundo está em constante mudança, e assaz acelerada. Dois exemplos – a escassez de capturas de pescado que o navegador/pescador do «Hemingway» conseguiu, sobretudo ao corrico, entre a segunda e a primeira viagem à volta do globo; por outro lado, a dinâmica social que leva à transformação de cidades, portos, casas, lugares, estabelecimentos comerciais e… , até, costumes – como o autor presenciou nos atóis do Pacífico. O relato desta parte do nosso mundo também é aqui evidente e uma tal dinâmica nem sempre é por nós, que testemunhamos de perto as alterações à nossa volta, devidamente avaliada, no que interessaria ponderar: será que certas mudanças serão, mesmo, para melhor?!…
Uma palavra quase final para aquilo que salta logo à vista num primeiro vislumbre desta nova publicação: o excelente grafismo, espraiado por 212 páginas, e elevada quantidade (480) e qualidade das fotos que ilustram um texto que – devemos confessar – conhecemos até agora, apenas, em bruto, sem maquilhagem ou acompanhamento de imagem e que mesmo assim já nos impressionara, por si só. Agora mais cativados ficamos ainda!
«O Mundo Que Eu Vi», de Genuíno Madruga, é tudo isto e ainda mais que cada um verá, mas é também um documento histórico da epopeia (como se enfatiza logo em chamada de atenção de capa) do primeiro velejador português e décimo a nível mundial a realizar uma circum-navegação à vela em solitário, dobrando o Cabo Horn, em navegação no sentido do Atlântico para o Pacífico – UM FEITO SÓ ACESSIVEL AOS GRANDES MARINHEIROS. Daí o seu autor ter passado a fazer parte da «Confraria dos Capitães do Cabo Horn, do Chile».
E na história geral, particularmente a do Sul do Brasil também o «Hemingway» participou directamente, quando em Santa Catarina prestou homenagem à “maior tragédia marítima da imigração Portuguesa”, ocorrida há mais de dois séculos na Ponta dos Naufragados, “sob um forte pampero (nome dado às súbitas tempestades com vento Sul), perdendo a vida 173 açorianos e sobrevivendo somente 77”.
Tudo isto faz Madruga questionar-se, neste livro: “Quanta luta pela sobrevivência acontece neste mar que navegava? Quantas vidas dão origem a outras vidas neste meio onde nada se perde? Quantos seres vivem mais perto da superfície ou nas profundezas, que cores têm, que hábitos, como se procriam? Quantos ainda desconhecidos? E eu afinal quem sou, de onde venho e o que represento neste imenso mar? Quantas estrelas já vi nas noites estreladas? (…) E assim com os meus pensamentos, que nunca me deixam, fui passando os dias e as milhas”!
Concluímos com registos do diário de bordo do «Hemingway», o primeiro datado de Março de 2009. Diz-nos o autor, numa imagem que ilustra a viagem que este livro agora ajuda ainda mais a perpetuar: “Deixo-vos um pensamento de Henry van Dyke – «Sejam felizes com a vida porque ela vos dá a oportunidade de amarem e trabalharem e brincarem e olharem para as estrelas». Navegando em precárias condições, 1.412 milhas a Sudoeste com rumo à minha ilha, Genuíno Madruga”.
A 6 de Junho de 2009 “de volta ao Bar do Ritinha, com a minha assinatura no mapa, dei por concluída a viagem de circum-navegação” – remata Genuíno, mais à frente. Mesm
o assim, confidencia: “Por mais que os meus olhos procurassem, o dia não estava completo, faltava o amigo, o grande Amigo que navegou comigo no «Hemingway» – José Dias de Melo”. O escritor açoriano nesse dia diria (disse-o efectiva e previamente para aquela ocasião): “Vens de dar a volta ao Mundo, Vens de dar a volta à Vida. (…) Um grande, um grande amor, Nossa imensa gratidão! A boca diz – só te diz, O que diz o coração!”
Ou… como também escreve Fátima Toste, que homenageou Madruga, com um poema inserto igualmente nestas páginas: “Hoje Comendador, Pescador, sonhador, Embaixador, missionário, Homem sabedor, Navegador solitário, Herói do mar, Sangue aventureiro, Em coragem – o primeiro!”
Horta, 20 de Maio de 2011,
Luís Prieto Ferreira
(texto de apresentação da obra na Horta(Faial)
imagens:acervo Margarida de Bem Madruga