AQUELA QUE SOU
Olho-me no espelho
reparo que faltam peças para acabar o boneco que sou
uma mama aqui no peito
cabelo a acertar-me a cabeça.
O coração foi picotado em mil pedaços
o vento os engoliu fazendo-os
desaparecer em curvas do nada.
Alguém me ajude
alguém me ajude
a procurar o que falta de mim.
No peito secou-se-me a água de chorar mágoas e tristezas
as pestanas foram-se-me caindo uma a uma
espalharam-se por aí
como alpista atirada a pardais.
E tudo o resto?
O que é feito de todos os restos da que fui?
Onde foi que os fui perdendo?
O medo bate as palmas ao compasso de uma canção de roda
e eu esconjuro-o com raminhos de hortelã e lúcia-lima.
Pisco-lhe um olho e vou a correr
anichar-me em paisagens habitadas por livros e retratos antigos.
Hoje sou esta que aqui está
faltam-me pedaços por dentro e por fora
mas nunca fui tão eu como sou agora.
Fátima Medeiros
(Poema inédito)
Fátima Ribeiro de Medeiros (1950), professora e investigadora. Natural de Ponta Delgada, ilha de S. Miguel; reside e trabalha em Setúbal.