AQUI ONDE O MAR
Aqui onde o mar a erva e os pomares
adiam a fadiga da semente
onde o medo por vezes repousa nas paredes
dum estômago sem regresso
o nosso amor é lívido
Passam as mulheres claras e talvez desertas
nos olhos de passagem para o verde
Passa uma ilha de cada barco e um barco
adormece em cada sono mais secreto
Sei da safira nesse olhar É vertida
quando poisa devagar na gente e a sentimos
pisada Madura como pedra e redonda.
Boca como ilha enrolada na saliva
como se na saliva um peso doce
em presença do hálito
Aqui o nosso amor e lívido A insular
madrugada no orvalho das ervas O dorso
em repouso da montanha O nosso nome
em nome das coisas perseguidas Tão depressa
anoitece a nossa freguesia e tão cedo a cama
E a cama apodrece no calor húmido do milho E o milho
suspende a morte no rosto da chuva E também a morte
é lívida e se descobre o amor
na infância da ilha
João de Melo,
navegação da terra, Editorial Veja, Lisboa, 1982
João de Melo (1949), professor, romancista, poeta, natural de Achadinha, ilha de S. Miguel, reside em Lisboa desde criança. Vive e trabalha em Madrid.
Foto de Jorge Blayer Góis