Muita nebulosidade e umidade. Uma Ilha vestida de brumas. Foi assim que a Ilha “açoriana” de Santa Catarina recebeu Berta Cabral em sua visita oficial a Florianópolis, cidade irmã de Ponta Delgada. Por um dia inteiro a ilha se escondeu e deixou que a Presidente da Câmara de Ponta Delgada recebesse o calor do abraço dos ilhéus desta outra margem e sentisse o palpitar do coração de uma gente orgulhosa de sua história, de suas raízes rejuvenescidas e de seu sangue açoriano que ainda lhe corre nas veias sem a negritude do basalto negro. Um sangue que se diluiu com passar dos anos e se misturou a tantas outras etnias que dão cara à nossa gente, numa composição de muitas cores, multiculturalidade e diversidade. Gente da terra de cá: catarinenses, brasileiros. Açorianos, também, herdeiros daqueles nascidos no arquipélago dos Açores e que um dia deixaram tudo para trás, venceram o Atlântico, os ventos do Sul do mundo e conquistaram as terras de seu destino: Santa Catarina. Foi neste cenário tecido na geografia dos afetos que Berta Cabral iniciou sua breve visita a Florianópolis entre os dis 26 e 27 de abril que passou.
Do aeroporto Hercílio Luz seguiu para a 57ª Reunião Geral da Frente Nacional de Prefeitos do Brasil e já na sessão de abertura fez a sua intervenção falando da importância de se fortalecer a aliança entre a missão autárquica e a qualidade de vida do povo. Um povo que só será forte se tiver um poder municipal também forte e respeitado,um poder local politicamente responsável. Refletiu sobre temas cruciais para a gestão de uma cidade em pleno século XXI, enfatizando que este é o momento das cidades solidárias, da cooperação entre os municípios, da democracia participativa, de promover a inclusão social, de apostar na educação e na formação cultural de nossa gente, de investir na sustentabilidade ambiental, no desenvolvimento econômico, de estabelecer políticas públicas que beneficiem o bem comum respeitando os direitos fundamentais do indivíduo e assegurando a qualidade de vida por excelência. Berta Cabral, a Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada, uma cidade moderna e jovem aos 464 anos, que respira os novos tempos caminhando em ritmo apressado, inquieta no criar, no inovar, no fazer, aberta para o mar e para o mundo, falou com conhecimento de causa, apontou caminhos, contou de sua experiência, partilhou projetos, idéias. Enfim, deu o seu recado com a frontalidade que lhe é peculiar. A voz da prefeita se fez ouvir forte e determinada. O aplauso não se fez esperar.
Na entrada do salão da conferência, um imenso painel ocupava toda a parede representando as nove ilhas do arquipélago dos Açores chamando a atenção dos autarcas brasileiros, curiosos para saber mais sobre aquelas Ilhas que tanto diz a esta Ilha de Santa Catarina. Para Berta Cabral olhá-lo era apenas mais uma comprovação de que chegara na décima Ilha, a Ilha-irmã. Na arquitetura do painel a grandiosidade do Atlântico a separar ilhas que a história uniu.
Na entrega da Medalha de Mérito Municipal Célio de Castro, a mais alta insígnia outorgada pela Frente Nacional dos Prefeitos do Brasil, agradeceu a homenagem fazendo referência aos laços fraternos que unem as cidades de Florianópolis e Ponta Delgada. Lembrou que a geminação assinada em 18 de junho de 2003 foi um ato protocolar de significativa importância porque reconhecia uma associação que o tempo, o caminhar das gerações, as histórias de vidas, a memória coletiva, as manifestações culturais, o cultivo das raízes, o patrimônio genético e afetivo, havia já, há muito, sacramentado. “ Florianopolis é uma referência do nosso passado, um orgulho do nosso presente e um estímulo para o nosso futuro”, uma afirmação que fez recordar as palavras do então Ministro da República para a Região Autônoma dos Açores, Doutor Álvaro Laborinho Lúcio, proferidas no momento da assinatura do Acordo de Cidades-Irmãs, em 2003, e que aqui reproduzo: “ Não faltam,pois, indícios para a prova da fraternidade que o processo de geminação sempre exige. Prova de factos passados,consolidados no tempo,capazes de constituir História. Mas do acto de geminar não pode separar-se o propósito de germinar. Não basta juntar pelo passado,é necessário unir para criar futuro.” Palavras de um passado recente a corroborar a postura de Berta Cabral para quem a geminação deve servir como mecanismo de promoção do bem comum, fortalecendo os laços culturais e econômicos que possibilitem o desenvolvimento sustentável local num mundo globalizado.
No dia seguinte, na sucessão de visitas programadas ao Prefeito Municipal, à Presidência da Câmara dos Vereadores e à instituições culturais como a Casa dos Açores Ilha de Santa Catarina, o que se assistiu foi a prática do discurso da véspera. No exíguo espaço de tempo que lhe restou fez questão de percorrer a Ilha de Santa Catarina, de conhecer os lugares, de andar a pé pelo centro histórico de Florianópolis, de estar com as pessoas e de reconhecer as marcas da presença açoriana no casario,nos costumes, no artesanato da renda de bilro, na cerâmica, na expressão artística de Semy Braga e Vera Sabino cujo atelier visitou, na cara e no jeito de ser de nossa gente, na nomenclatura das ruas, lojas e espaços como:Rua dos Ilhéus, Caminhos dos Açores, Hotel Faial, Residencial Ilha de São Miguel, Pizzaria Açoriana, Macarrão Açores e tantos outros “mil nomes” que já estão documentados por Arante José Monteiro Filho e reunidos na interessante exposição fotográfica “Imagens Açorianas em Santa Catarina”. Berta Cabral testemunhou a força da identidade insular, as mundividências de uma açorianidade sobrevivente que tem na Festa do Divino Espírito Santo a sua maior manifestação. Registros de um passado que contam nossa história social e cultural. Outras marcas falam do tempo de agora e serão referenciais no futuro desta capital cosmopolita, da mesma forma que a Ponta Delgada com quase cinco séculos de existência e que, agora esboça a sua marca, cria o seu tempo neste novo milênio, nomeadamente com a criação do Museu de Arte Contemporânea, projeto de autoria do arquiteto brasileiro Oscar Niemayer.
Se as cidades têm a sua marca própria deve-se muito a figura carismática do Prefeito Municipal e aos vetores de governança propostos para a cidade que se quer. A autarca de Ponta Delgada é um bom exemplo. Por onde passou, desde o Norte da Ilha, no requintado Costão Santinho, ao convívio simples e aconchegante da comunidade do Pântano do Sul onde encerrou sua visita a Florianópolis, deixou uma imensa impressão, uma marca de simpatia, autenticidade conjugada com inteligência e competência.
Uma Ilha vestida de Sol onde as gaivotas vão beijar a terra. Foi assim que a Ilha de Santa Catarina apareceu para se despedir de uma Berta Cabral embevecida com a beleza da paisagem que deslumbra do alto do mirante da Lagoa. Seu olhar se arrasta por toda a Lagoa da Conceição até encontrar no horizonte o verde mar e as areias douradas da Praia da Joaquina iluminadas pelo Sol, pai de toda cor (como canta Caetano Veloso), que nesta manhã apareceu majestoso derramando-se por toda parte como um campo de girassóis.
Florianópolis,Ilha de Santa Catarina,9 de Maio de 2010
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Nota:Artigo originalmente publicado na coluna Opinião do jornal Açoriano Oriental,Maio2010
Crédito Imagens: Valter Melo e LPNunes