Boas festas,
boas entradas!
Houve um tempo em que as famílias se visitavam para as festas de fim de ano, do Natal ao Ano Novo. O rito se repetia nos domingos que precediam as celebrações, cada família “caprichando” nos presépios e nos pinheirinhos naturais.
Rolavam cervejas, abraços e comentários fellinianos: todos falando mal de todos e as crianças convivendo com aquelas “bizarrias” que eram os “tios” – agregados de família, alguns permanentes, outros passageiros.
Todo ano havia um “tio” novo, alvo de trotes. E não faltava a veterana dupla de palhaços, que passava a noite repetindo bordões e espancando as costas do “companheiro”.
– “Passarinho”, boas festas! Boas entradas!
“Passarinho”, tio quieto, mas gozador, concordava com aquele mantra e o repetia à exaustão:
– Boas festas! Boas entradas!
Até a hora dos mais velhos convocarem as crianças, heroicamente acordadas até a meia-noite, a máquina daquela repetição ecoava sobre os velhos boleros ou sobre as habituais canções natalinas, saídas do vinil nas vozes aveludadas de Nat King Cole, Frank Sinatra e Bing Crosby:“Gingle Bell”, “Silent Night” e “White Christmas”.
Não tinha saída, o jeito era retribuir:
– Boas festas! Boas entradas!
É o que desejo, com ardor, a todos os leitores no definhar desse sofrido 2015 e nos albores desse temido 2016, na expectativa de que sobrevivamos todos às tantas moléstias desse Brasil sem eira, nem beira.
É preciso acreditar no poder mágico da“Navidad”, que é isso que o Natal significa: vida nova, tempos melhores, nem que seja para crer nessa convenção que o homem inventou para entreter o espírito e ajudar a humanidade na árdua tarefa de conjugar o verbo “existir”.
Para suportar os mistérios e as surpresas do Zodíaco e os próximos 365 dias que a Terra gasta para circunavegar o Sol, os sobrinhos tinham que escutar os tios e sua cantilena:
– Boas festas! Boas entradas!
“Passarinho” retribuía, espalmava as costas do compadre, servia-se de mais uma cervejinha ou do “spumanti” de plantão. “Amanhã” tudo haveria de melhorar. Aquela “dívida” estaria saldada por algum bom samaritano, o chefe estaria de bom humor, “bater” o ponto no emprego não seria tão ruim assim, ainda mais com o “recesso” combinado com a turma da repartição. Ponto facultativo. Quem seria tolo de ir para o trabalho?
Haverá melhor idéia para vencer a crise e o desânimo, senão reunir os “Passarinhos” da família, entornar um vinho branco bem geladinho – por que não um Alvarinhoportuguês ? – e a eles estender as mãos e o ânimo bom? Mãos que estendo daqui para o leitor, a leitora:
– Boas festas! Boas entradas!
(*) Sergio da Costa Ramos é jornalista e escritor. Nascido em Florianópolis,Santa Catarina. Portanto,Ilhéu. O sangue açoriano que tanto preza vem da Ilha Terceira, de seus antepassados Matheus José Coelho e Maria Antónia de Jesus. Cronista. Membro da Academia Catarinense de Letras. Assina diariamente uma coluna de crônicas do Diário Catarinense,lavadas de beleza e bom humor, esbanja cor e luz, deixando transparecer
a cumplicidade telúrica deste "manezinho da crônica" com o mar.