Se a jóia da literatura é a poesia, como escreveu algures Somerset Maugham, então temos nesta colecção de poemas de José Luís da Silva, um punhado de jóias. É que este Cântico do Silêncio (Portuguese Heritage Publications), está repleto de versos que retratam as experiências de um cultivador da palavra, o qual é, simultaneamente, um grande humanista. Aliás, esta colectânea é indicativa do percurso do emigrante, do professor, do activista comunitário e acima de tudo do poeta, sensível ao seu mundo, que é, ao fim e ao cabo, um mundo composto por todos os mundos, aberto a todos os universos. Este livro está recheado do que Samuel Johnson disse ser o verdadeiro poema: "a arte de agregar o prazer à verdade".
Ao longo deste livro de poesia, o leitor irá descobrir a profundidade dos poemas de José Luís da Silva. Começando com uma trilogia do emigrante, em que o poeta relembra-nos os sonhos que todo o ser humano, ao sair da sua terra, transporta consigo. É que, independentemente da região, ou do país de origem, e até das razões que o levaram a sair, a história é comum e há sempre "um cálice cheio de esp’rança/que a terra-mel vai tragar". Estamos perante a metáfora exemplar das vivências e dos dilemas que quem deixa a sua terra forçosamente terá que enfrentar. Daí que a poesia do José Luís, preenche o que Edmund Burke disse ser a essência do poema, ou seja: "substanciar as sombras."
Ler e reflectir esta colectânea é viver uma mescla de emoções. É que cada poema contém uma história, a qual se intercala com o poema que se segue e com o que se leu. Há um conjugação cuidada entre a saudade dum tempo passado e das vivências contemporâneas. Há uma simbiose entre o passado e o presente. Em cada verso há um encanto, uma descoberta, uma história, uma genuína ponderação interna, porque a poesia de José Luís da Silva é paradigmática do que escreveu W. B. Yeats: "das quezilas com os outros fazemos retórica; das quezilas com nós próprios fazemos poesia."
José Luís da Silva dá-nos ainda uma visão diferente da emigração. Como professor de português numa escola secundária americana vive, quotidianamente, a sua própria Peregrinação. Quer no poema "Peregrinações", que nos subsequentes "Pátria" e "Pátria L’USA", estão fragmentos de quem dedicou a sua vida a ensinar a língua e a cultura portuguesas, não só a filhos e netos de emigrantes, mas também a todos quantos no "melting pot" americano queriam aprender a língua portuguesa. Daí que o poeta, quer pelo seu contacto com as novas gerações de luso-descendentes, quer pela sua convicção de viver uma emigração diferente, compreende, e diz-nos, abertamente, que a: "minha terra é onde estou, mesmo estando em terra nova". E é nessa terra nova que o poeta constrói o sue universo, o qual inclui a língua inglesa, na qual temos um dos mais sublimes poemas desta colectânea "A Window to the Sea".
Uma breve palavra sobre a escolha da ordem destes poemas. Sem dúvida que estamos perante um ciclo marcante na vida do poeta, que é o mesmo que dizer, na vida da poesia. É que, começando com o Silêncio e o Fado, passando por uma rica selecção de temas, incluindo o interessantíssimo conto, o Chicharro Americano, este livro que atravessa ilhas e continentes, alberga diversos temas pertinentes, e acaba com um poema marcante: O Quintal. Aqui, o poeta ilustra-nos, clara e inequivocamente, que a nossa universalidade só existe quando estamos à vontade em todos os espaços, particularmente no nosso próprio quintal. É um poema riquíssimo em imagens sobre a condição humana. É um grito poético à justiça e à solidariedade, as quais devem começar no nosso próprio cosmos, porque como nos diz: "no meu quintal/existe a liberdade dos pássaros/que cantam, impávidos/o momento exacto e eterno/dos deuses".
Construindo metáforas perfeitas, interligando mundos e culturas, este é um Cântico que de ser lido em Silêncio. Tal como Somerset Maugham, também acredito que a poesia é "a actividade mais sublime do pensamento humano. É a realização do mais belo, do mais distinto. E que o escritor de prosa deve apenas fugir para o lado sempre que o poeta passa". Daí que, coloco ponto final nesta prosa, e apresento-vos o poeta José Luís da Silva.
Diniz Borges
Tulare, Califórnia
*do poema "Nocturnos"