Carta aberta a Vasco Cordeiro:
Meu Caro Amigo
Há algum tempo já que pensei escrever sobre este tema. Não o fiz por duas razões. A primeira, por recear que alguém julgasse que sou parte interessada ou prejudicada n
a questão. Não sou. A segunda, porque estando a aproximar-se, ou a viver-se já, o período de campanha eleitoral, poderia parecer que eu combatia o meu próprio partido. Mas agora, vencida a relutância da primeira razão, e não existindo a segunda, aqui estou a expor o que penso sem qualquer constrangimento.
Nos últimos tempos do Governo ainda em exercício, parece ter havido uma sobreposição, ou confusão, do que compete ao órgão designado para tutelar a Cultura e outros sectores do Governo. Daí resultou um apoio indiscriminado a obras de cariz cultural, sobretudo de temática açoriana, maculadas por vários erros de informação. É difícil encontrar algo sobre os Açores, seja em livro seja sob a forma de qualquer outro veículo de divulgação, que não contenha interpretações desajustadas da realidade.
Há alguns anos, a atribuição de subsídios a obras de interesse cultural para os Açores tinha regras perfeitamente definidas. E com normas de um rigor absolutamente compreensível e necessário. Uma vez, fiz parte de uma comissão para analisar esse tipo de obras. Fora nomeado para tal pelo Marcolino Candeias, e tive como companheiros de missão o saudoso Emanuel Félix, uma das pessoas mais fascinantes que conheci, e a Fátima Sequeira Dias. À nossa disposição havia cinco mil contos para distribuir por todas as obras que, segundo o nosso critério, o justificassem, não podendo atribuir a nenhuma mais de 50% do valor de impressão ou de execução.
Houve um ou outro caso acerca do qual foi emocionalmente difícil decidir. Sobretudo um livro, cujo texto era de um respeitável e sábio amigo dos três, mas em que a entidade proponente – que não foi ele – não cumpria as normas estabelecidas, além de jogar claramente com um valor – 4000 contos – que era pelo menos o dobro do que seria o custo final da obra. Ou um outro em que estavam incluídas nas despesas previstas a deslocação ao Continente de duas pessoas, para acompanharem a impressão da obra, bem como o alojamento em hotel por cinco dias. Não lhes atribuímos qualquer subsídio.
Depois desta experiência, dei algumas sugestões ao Marcolino Candeias e ao Álamo Meneses que mereceram a sua concordância. Por razões várias, porém, nunca foram postas em prática. Mas agora, num novo ciclo, creio ser altura oportuna para se as tomar em consideração. A primeira medida seria devolver a cultura à Cultura, ou seja, torná-la autónoma, não como órgão subalterno ou adjunto de qualquer secretaria ou da presidência. O próprio afastamento físico, em Angra do Heroísmo, funciona como mais uma garantia de independência. Obviamente que isto terá de ser considerado sem prejuízo da solidariedade entre todo o Governo, com a presidência incluída, naturalmente.
Para atribuição dos subsídios, seria conveniente voltar ao bom costume de comissões especializadas, mas para todos os casos a apreciar, e não apenas para alguns. Suponhamos um livro ou um vídeo. Há temas, principalmente no campo científico, que infelizmente não têm público suficiente que viabilize qualquer edição. Para esses, deveria ser considerada uma ajuda financeira que poderia ir talvez até aos 70% ou mesmo 75%. Para os outros, será razoável fixar o máximo nos 50% de antigamente. As editoras facultariam às comissões especializadas um orçamento devidamente discriminado. E, no caso de óbvia falsidade, como a dos referidos 4000 contos, a obra posta a concurso deveria ser simplesmente eliminada.
Por uma questão de moralidade.
Daniel de Sá
In “Diário Insular” e “Correio dos Açores”, de 18/10/2012