a noite abateu-se como um manto baço e frio
e pela rua desceu um vestido agitado
com pregas soltas rasteiras à calçada
de saltos altos numa dança sem destino
movia-se num corpo ocioso e sem jeito
de cigarrilha entre os lábios e mãos livres
subiu-lhe de rompante as sombras donas da cidade
e uma fresta de luz denunciou duas silhuetas em pecado
fez da parede o seu amparo
para escorregar o olhar sobre o vidro embaciado
o som abafado aqueceu-lhe o corpo
e colocou-lhe a saliva na boca
saltou fora a beata e no alto do seu ego
foi entrando, despindo e penetrando
um mundo que de tão vazio era abstrato
Palavras Revertidas,
Ponta Delgada, Publiçor, 2012.
Valadão, Catarina (1986), arquiteta, fotógrafa, poeta, natural da cidade de Angra do Heroísmo, ilha Terceira, onde reside e trabalha.