Nestes últimos cinco anos o Diário dos Açores tem sido o meu paragliders e em voo absolutamente livre, entre o cá e o lá, permite-me a aventura de flanar carregando memórias, desvendando a criação literária, entrecruzando margens, explorando diferenças e convergências. Para afinal, pousar faceira nas suas páginas, e metendo a minha palavra em forma de crônica com a pretensão de contribuir no debate sobre a atlanticidade literária e cultural. Atino agora que estes 5 anos de colaboração interrupta integram os 150 da história do jornal mais antigo dos Açores. O que me deu um grande afago como a carícia do Vento Sul, o nosso Velho Vento. Um vento lânguido, fantasista das brumas, sopro equóreo das espumas, tal qual cantou o nosso poeta Cruz e Sousa, o cisne negro da poesia simbolista. Este mesmo vento que levanta a saia das meninas, sacode as vidraças, agita a rede estendida na varanda, alvoroça até pensamento neste fim de tarde na praia da Jaguaruna, no extremo sul de Santa Catarina, onde estou no gozo de mais um verão.
Da sua longa trajetória desde que veio a público em 5 de fevereiro de 1870, na Ilha de São Miguel, pelas mãos de Manuel Augusto Tavares de Resende, um jovem ilhéu idealista com apenas 21 anos, o Diário dos Açores continua fiel aos princípios norteadores do seu criador : “ser arauto do jornalismo de verdade.” Fico a imaginar a sua luta, os riscos, os contras e os favoráveis que correram a aplaudir o nascimento de um periódico diário. Até nos dias de hoje, em pleno século XXI, seu feito seria motivo de grande louvação e, também, de alguma voz resistente à novidade. A palavra da hora com certeza seria: cá está “jovem empreendedor” a varrer os paranhos da mesmice, abrindo as janelas para a modernidade inspiradora de outros veículos que nasciam no continente, como o Diário de Notícias, em 1865, na capital Lisboa.
Ciente das limitações do meio insular seu criador sonhou um órgão diário que levasse a informação que chegava de toda parte, mas não alcançava a todos. Sonhou mais ainda – queria dar a sua gente uma publicação, um veículo de comunicação inovador tanto na forma como no conteúdo, provocando uma revolução na técnica e no jeito de ser do jornalismo daquele final do século XIX. Um novo sopro, significando essência, energia, anima. Sim, esta era a proposta pioneira – a tessitura da consciência do ser ilhéu e do sentir o mundo a partir do espaço telúrico. Sessenta e dois anos depois Vitorino Nemésio chamaria de “Açorianidade” a consciência de ilhéu: o nosso modo de afirmação no mundo, a alma que sentimos, na forma do corpo que levamos.
Aquele jornal estaria em todas as freguesias, rompendo o cerco do atraso cultural, levando conhecimento e, sobretudo, fazendo um jornalismo que espelhava os anseios educacionais e culturais de então. Um novo estilo calcado na liberdade de imprensa.
Moveram as pás do moinho do tempo e cento e cinquenta anos depois o Diário dos Açores mantém o mesmo espírito inovador, corajoso, independente, livre, frontal, plural, idôneo, sem amarras sempre.
É o retrato da identidade cultural açoriana. O arquiteto da comunicação social dos Açores de ontem, o obreiro de hoje, o construtor do amanhã.
Faço questão de unir minha voz a tantas outras vozes que, neste dia 5 de fevereiro de 2020, celebram a magna data numa bonita festa e deixam a sua palavra de reconhecimento a histórica trajetória do Diário dos Açores. Reitero o que tenho escrito em outros aniversários, do meu imenso orgulho de estar entre os seus colaboradores. Sou cativa de sua linha editorial, do jornal “feito para fazer pensar” desde o seu nascimento nos idos 1870. Fez no passado e continua fazendo a diferença ao levar a informação, manifestando sua opinião sem vergar jamais, criticando e aplaudindo, sempre com respeito ao leitor esteja ele debruçado num balcão do café da freguesia a lê-lo ou aqui, na outra margem do Atlântico, com olhos fixos na telinha, fazendo a leitura em tempo real neste século digital. Seu diretor executivo, Osvaldo Cabral, jornalista e caríssimo amigo, defende um jornalismo criativo, interventivo e atuante em múltiplas frentes.
É o que retrata o “nosso” Diário dos Açores a cada edição – a credibilidade desassombrada.
Obrigada por permitir que eu escreva um bocadinho nestes cinco anos dos seus grandiosos cento e cinquenta anos de história e de vida.
Grande abraço e muitos parabéns.
Lélia Pereira Nunes
Jaguaruna, Verão de 2020