Com a força da terra
De Enéas Athanázio diga-se, em primeiro lugar, ser um engenhoso contador de histórias. Esta seleção de contos, que organizou para marcar os 40 anos de sua trajetória literária, não deixa dúvida. Ao alinhar, em Meus Campos Gerais, 62 histórias curtas produzidas ao longo de quatro décadas de dedicação ao ofício de escritor, oferece-nos, na linha do tempo, amplo mural de uma obra, que se insere entre as mais vigorosas e representativas da literatura catarinense contemporânea. Não será exagero dizer que este é um livro de desvendamento, no qual, ao mapear o seu fazer literário e a geografia da sua criação, o autor se expõe por inteiro.
Já nos contos de estreia, enfeixados em O Peão Negro, o talento dele como contador de histórias foi destacado por Péricles Prade, que assinou o prefácio do livro, reproduzido nesta antologia.
A obra ficcional de Enéas brota da terra. Suas raízes estão entranhadas nos campos do Planalto Catarinense, com suas gentes, costumes, e falares característicos, o que a encaixaria na moldura do regionalismo sulino.
Entendo que, quando nos referimos a um autor ou obra como regionalista, estamos utilizando um mero recorte classificatório porque o termo tem valor apenas heurístico. Estabelece uma hipótese de trabalho, um rumo para a análise da obra e do autor sem, entretanto, esgotá-los nesta perspectiva única.
No começo, a expressão artística do regionalismo rural sulista pautou-se no Romantismo, na idealização da geografia e do personagem. Ao desaguar no Naturalismo, a vertente assumiu forte conotação de denúncia social e política contra os senhores da terra e do poder no sistema de latifúndio que, em terras catarinenses, só vingou no Planalto em função da geografia própria à cultura do pastoreio.
O recorte regionalista, apesar da temática e da especificidade dialetal _ e aqui reside sua característica mais marcante _, não retira o timbre universal de uma obra de certeza e qualidade. E os contos de Enéas Athanázio aqui reunidos as têm.
Aprofundando a trilha aberta por Tito Carvalho (1896-1965), ele inovou a temática rural de cima da Serra e manejou com maestria o linguajar da peonada nas lides campeiras. Um trabalho de criação e de recriação.
Como Tito Carvalho, Enéas Athanázio certamente há de ter colado o ouvido na terra para dela recolher histórias e o falar saboroso, de peculiar sotaque e permeado por espanholismo, daquela gente rude, mas generosa e boa de briga.
A bordo dos contos de Enéas Athanázio, ao quais não faltam doses fartas de humor e ironia bem calibrados, viajamos pelas suaves ondulações das coxilhas e dos verdes campos a perder de vista, e convivemos com personagens inesquecíveis.
Florianópolis, março de 2012
Nota: O Autor Mário Pereira é jornalista e escritor. Trabalha no Grupo RBS/Jornal Diário Catarinense e é Vice-Presidente da Academia Catarinense de Letras.